O compositor Gustav Mahler (1860-1911) goza hoje em todo o mundo de um prestígio considerável. Mesmo no Brasil, as duas mais importantes novas salas de concerto, a Sala São Paulo e a Sala da Filarmônica de Minas Gerais, foram inauguradas de maneira grandiosa com sua segunda sinfonia. Suas virtuosísticas obras funcionam como uma espécie de atestado de qualidade de uma boa orquestra, e não há hoje em dia um bom maestro que não demonstre suas qualidades de ser um bom mahleriano. Muitas pessoas pensam que foi sempre assim, especialmente os mais jovens, mas acho importante reportar alguns dados que demonstram que este reconhecimento foi bem tardio. Aconteceu mais de 50 anos depois da morte do autor.
Fatos e opiniões
Os dois mais famosos maestros da primeira metade do século XX, o italiano Arturo Toscanini (1867-1957) e o alemão Wilhelm Furtwängler (1886-1954) não foram entusiastas em relação à obra de Mahler. Na mais importante biografia de Toscanini, escrita por Robert Charles Marsh, há a reprodução de uma conversa entre ele e outro grande maestro, Bruno Walter (1876-1962), discípulo de Mahler e um dos poucos que regiam suas sinfonias logo após a morte do compositor. Ao perguntar para o maestro italiano sobre quando regeria uma sinfonia de Mahler ele respondeu: “A música de Mahler só serve como papel higiênico”. Nas memórias do barítono Dietrich-Fischer Dieskau ele atesta a opinião severa que Wilhelm Furtwängler tinha a respeito de Mahler, reclamando da vulgaridade de muitos trechos de suas sinfonias. Na realidade na primeira metade do século XX apenas os maestros que foram amigos de Mahler, Bruno Walter, Otto Klemperer (1885-1973) e Willem Mengelberg (1871-1951), eram fiéis intérpretes de suas obras. O mesmo ocorria com os poucos maestros sintonizados com a música de seu tempo como Hermann Scherchen (1881-1966) e Dimitri Mitropoulos (1896-1960). Sem ser tão cáustico como Toscanini, o maestro Gerge Szell (1897-1970) tinha uma típica opinião dúbia. Em uma entrevista ao produtor Paul Meyer disse: “Não sou um fã de Mahler. Na realidade eu demorei muito tempo para reger algo dele. Posso dizer que alguns movimentos de Mahler são “hipertróficos”, e não são capazes de salvação”. Outros grandes maestros como Günter Wand (1912-1992) e Sergiu Celibidache (1912- 1996) tinham inúmeras restrições aos contrastes radicais encontrados nas obras do autor e nunca regeram uma sinfonia dele. E certos maestros, entre eles o francês Pierre Monteux (1875- 1964) e o brasileiro Eleazar de Carvalho (1912 – 1996), faziam enormes cortes nas partituras. Eu assisti o grande maestro brasileiro, responsável pelo primeiro ciclo completo de Sinfonias de Mahler feito no Brasil, cortando trechos enormes das Sinfonias de Nº 2, 6 e 8. Outros dados importantes neste período em que Mahler não contava com o prestigio que tem hoje, são a demora com que suas obras foram executadas pela primeira vez em grandes centros musicais. Alguns exemplos contundentes: a Sexta Sinfonia só teve sua primeira audição em Chicago em 1968 (regência de Antal Dorati, veja aqui a crítica desta estreia), a Terceira Sinfonia só teve sua primeira audição pública na Inglaterra em 1961 (regência do desconhecido Bryan Fairfax) e a Sétima Sinfonia só foi apresentada em Paris em 1972 (regência de Rafael Kubelik). Em 1971, quando da primeira visita ao Brasil da Orquestra do Concertgebow de Amsterdam, sob a regência de Bernard Haitink (1929- ), foi feita em São Paulo a primeira audição brasileira da Sinfonia Nº 9. Na época ninguém sabia por aqui quem era Mahler e houve quem reclamasse de que a visita de uma das melhores orquestras do mundo tinha sido estragada pela escolha do repertório. Lembro de um crítico do extinto Jornal da Tarde falando horrores do compositor. Anos depois fez uma espécie de “mea culpa”…
A “moda Mahler”
Na década de 1970 a coisa mudou completamente. O já citado maestro holandês Bernard Haitink e o americano Leonard Bernstein (1918-1990) realizaram no início desta década excelentes gravações integrais da obra de Mahler. Até o austríaco Herbert von Karajan (1908-1989) curvou-se diante da moda e em 1973, com 65 anos de idade, regeu pela primeira vez uma sinfonia do compositor. Um dos fatores decisivos para o nascimento desta “moda Mahler” foi o belo filme de Luchino Visconti “Morte em Veneza”, de 1971. O diretor transforma o escritor Aschenbach em um compositor, e usa como trilha sonora o lindíssimo Adagieto da Sinfonia Nº 5 e o Quarto movimento da Sinfonia Nº 3. Da noite para o dia uma pergunta frequente: “Quem é esse tal de Gustav Mahler???”. O resultado se percebe claramente. Se em 1961, por exemplo, só existiam duas gravações da Sinfonia Nº 9, hoje existem ao menos 60. Como o próprio compositor, respondendo ao desprezo voltado à sua obra durante sua vida, disse a Bruno Walter: “Meu tempo ainda chegará”.
Mahler: um compositor atual
Se houve uma moda nos anos 70, a permanência de Mahler é indiscutível. Através das obras que ele influenciou diretamente como as Sinfonias de Shostakovich (1906-1975) e a música orquestral de Alban Berg (1885-1935) percebemos a importância de sua obra. Os materiais heterogêneos que convivem em sua obra fazem parte da contradição que o homem moderno vive, e a angústia frente à morte e frente aos revezes da vida são espelhados de forma sublime em suas obras. Do ponto de vista técnico nunca as orquestras foram tão boas como hoje, e são capazes de enfrentar as inúmeras dificuldades destas controversas partituras.
Discografia básica
Vou me arriscar em extrair o melhor de uma discografia pletórica. As integrais de Claudio Abbado, Bernard Haitink, Rafael Kubelik e Pierre Boulez são de altíssimo nível. Indispensável conhecer o legado mahleriano de Bruno Walter. Ele gravou as sinfonias 1,2,4,5 e 9. Os registros de Dimitri Mitropoulos são fantásticos, e neles percebemos que por volta de 1950 as grandes orquestras ainda não tinham capacidade técnica que hoje apresentam. Mas as concepções são maravilhosas. Não sou pessoalmente um fã dos exageros do Mahler de Bernstein. Ao contrário, aprecio demais o equilíbrio das versões de Pierre Boulez. Em termos da música vocal Dietrich Fischer Dieskau, Christa Ludwig, Kathleen Ferrier e Brigitte Fassbaender são os paradigmas máximos.
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