O compositor francês Maurice Ravel (1875-1937) é para o grande público sinônimo de uma das obras de música clássica mais populares, o Boléro, escrito em 1928. Não há dúvida de que esta obra, originalmente pensada para ser um ballet, seja uma obra prima, e um verdadeiro atestado de que entre inúmeras virtudes como compositor Ravel era um dos maiores orquestradores de todos os tempos. Mas Boléro, e outras obras populares como o “Concerto em sol” para piano e orquestra, a “Pavane” e “La Valse”, revelam apenas uma faceta deste grande gênio. Ravel foi um grande alquimista dos sons, das harmonias. Comento aqui três composições quase que desconhecidas do mestre. São obras intimistas que revelam muito de suas predileções literárias e sua busca de uma linguagem cada vez mais original.
Trois poèmes de Stéphane Mallarmé (Três poemas de Stéphane Mallarmé)
Ravel em mais de uma ocasião declarou seu amor pela poesia de Stéphane Mallarmé (1842-1898). Disse ele em 1929: “Eu considero Mallarmé não somente o maior poeta francês, mas o considero como o “único”, já que ele tornou a língua francesa poética, visto que ela não foi destinada para a poesia”. Diversos fatores influenciaram a escrita desta original obra, concebida em 1912, mas sem dúvida a entusiasmada descrição que Stravinsky fez a Ravel a propósito do Pierrot Lunaire de Schoenberg, moldaram o esquema instrumental da partitura. Assim como a obra de Schoenberg os “Três poemas de Stéphane Mallarmé” contam com a presença de um pequeno conjunto de câmera que acompanha a cantora: Duas flautas, dois clarinetes, quarteto de cordas e um piano. Ravel em diversos momentos se aproxima de um idioma atonal, e a conclusão da última melodia nos mostra um compositor bem distante dos parâmetros do tonalismo. As três poesias escolhidas estão entre os versos mais enigmáticos e complexos de Stéphane Mallarmé: Soupir (Suspiro) de 1864, Placet futile (Súplica frívola) de 1862 e Surgi de la croupe et du bond (Vindo da curva e do salto) de 1887. Os textos são tão complicados que, quando regi a obra em 2006, necessitei a ajuda de dois grandes tradutores, Caetano Galindo e Sandra Stroparo para apresentar ao público uma versão em português. A música, escrita por Ravel. transborda de sutilezas e de efeitos instrumentais fascinantes. Sua compreensão da poesia fica bem evidente. Infelizmente uma daquelas maravilhas que pouca gente conhece.
Chansons madécasses (Canções de Madagascar)
Obra concluída em 1926 as Chansons madécasses constituem o momento mais experimental do compositor. Os textos, aparentemente autênticos vindos da ilha africana de Madagascar, foram traduzidos para o francês por Évariste de Parny (1753-1814). Nestas lindas poesias anônimas percebemos a doçura de um clima tropical e a crueldade dos europeus que provocavam guerras locais para conseguir escravos para suas colônias. A instrumentação inclui uma flauta, um violoncelo e um piano. A parte vocal pode ser cantada tanto por um mezzo-soprano como por um barítono. Para mostrar o clima exótico deste recanto africano Ravel se utiliza de sons que misturam escalas modais, poli tonalidade e atonalismo. São três as canções sendo que a primeira, Nahandove, é uma erótica declaração de amor Depois deste clima sereno da primeira canção vem um poderoso e assustador grito: Aoua. É o momento em que a escravidão trazida pelos brancos é rejeitada com gritos de alerta. O ambiente de revolta e desconsolo é sugerido por acordes indefinidos no registro grave do piano. A última canção, Il est doux (É suave) é mais uma vez uma melodia tranquila. Um dos efeitos inesquecíveis pensados por Ravel é a imitação de um tambor africano por um inteligente pizzicato em harmônicos do violoncelo. Diversas vezes, como consta na biografia do compositor escrita por Marcel Marnat, Ravel reafirmou que esta era a obra de sua autoria pela qual sentia maior orgulho. Motivo a mais para conhece-la.
Sonata para violino e violoncelo
Esta talvez seja a mais desconhecida entre as obras primas de Ravel. Escrita entre 1920 e 1922 permanece como uma homenagem do autor à memória de Claude Debussy, que faleceu em 1918. Mesmo os amigos de Ravel demonstraram estranheza em relação à obra, que é arrojada não só pela exclusão de um instrumento de apoio, mas pela sua ousada linguagem contrapontística e harmônica. Influenciada pelo “Duo” do compositor húngaro Zoltan Kodály, escrito para os mesmos instrumentos em 1914, vai deixar sua marca numa obra maravilhosa de Heitor Villa Lobos, os Choros Bis de 1928. Partitura escrita em quatro movimentos, bem nos moldes clássicos, Ravel não encontrou um editor interessado na obra, que permaneceu inédita por muito tempo. No inteligente uso dos dois instrumentos melódicos Ravel mais uma vez demonstra a sua magia como “orquestrador”. Não tenho notícia de uma execução aqui no Brasil. O que é lamentável.
Vídeos das obras
Um dos tesouros do youtube. Os Tres poemas de Mallarme com o magnifico Ensemble Intercontemporain de Paris, Nora Gubisch, Soprano, e o excelente regente Alain Altinoglu. Execução perfeita.
Acredito que Chansons Madécasses soam melhor com mulher do que com homem. Sua intérprete perfeita, na minha opinião, é Jessye Norman. Mas esta execução é também memorável: Stéphane Degout (barítono), Michaël Guido (piano), Matteo Cesari (flauta)e Alexis Descharmes (violoncelo).
O próprio Ravel executando Chansons Madécasses
A Sonata para violino e violoncelo de Ravel. Mais uma execução notável encontrada no youtube: Benjamin Bowman, violino e Franz Ortner, violoncelo. Gravação feita na Dinamarca.
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