Com a gigantesca força da personalidade, ação e sucesso de Heitor Villa-Lobos (1887-1959), o Nacionalismo, que era a marca registrada de sua produção, passou a ser adotado como meta estética por todos os compositores brasileiros a partir da consolidação do status dele como o maior compositor brasileiro vivo. E o Nacionalismo continua até hoje sendo o principal atrativo para o interesse fora do país pela nossa arte musical. Prova disso é a morna recepção da imprensa internacional especializada recebida pela excelente integral que a OSESP gravou das Sinfonias de Villa-Lobos, obras em geral com menos “chavões” nacionalistas, lançada recentemente pelo selo Naxos.
Autores também importantes como Francisco Mignone (1897-1986) e Camargo Guarnieri (1907-1993), que abraçaram também esta causa, são muito mais lembrados no exterior, e mesmo no Brasil, por suas obras inspiradas em ritmos e melodias locais. Historicamente falando entre as décadas de 1930 e de 1960, fora as raras obras do próprio Villa-Lobos sem teor nacionalista, como o seu magnífico “Trio para cordas” de 1945 por exemplo, as únicas obras musicais que não seguiram esta estética foram aquelas escritas pelos então discípulos do alemão residente no Brasil Hans-Joachim Koellreutter (1915-2005) que na década de 1940 escreveram obras baseadas nas práticas de Schoenberg (1874-19510), produção essa que permanece hoje mais nos arquivos das bibliotecas do que nas salas de concertos. Os mais talentosos discípulos do professor alemão, Cláudio Santoro (1919-1989), Edino Krieger (1938-) e Guerra-Peixe (1914-1993), logo deixaram as amarras serialistas para trás e se tornaram compositores nacionalistas. O Nacionalismo assume assim um ar de pensamento único na música brasileira por muitas décadas. Mesmo depois da morte de Villa-Lobos esta forma de expressão continuou viva e teve expressões de grande porte nas obras, entre outros, de Osvaldo Lacerda (1927-2011) e mesmo do eclético Radamés Gnattali, e permanece presente nos dias de hoje nas obras de compositores competentes como Edmundo Villani-Côrtes, André Mehmari e Sérgio Vasconcelos Correia. Em resumo, o Nacionalismo musial não morreu.
Música brasileira não nacionalista
É somente no final da década de 1960 e no início da década de 1970 que obras importantes se distanciam bastante do Nacionalismo. Entre estas obras “não nacionalistas” importantes destacaria “Procissão das carpideiras” do baiano Lindembergue Cardoso (1939-1989) de 1969 e duas obras orquestrais do pernambucano Marlos Nobre (1939-) de 1970: “Biosfera” e “Mosaico”. As três obras que citei são composições extremamente ousadas, sem tonalidade definida, ligadas à estética polonesa de compositores como Krzysztof Penderecki (1933), totalmente afastadas de um sentido de “nacionalismo folclórico”. Mas seriam obras com menos “brasilidade”? Creio que não. Vejam a obra de Lindembergue que citei, ambientada no sertão nordestino. É extremamente brasileira em seu espírito e sua expressão, mesmo não se calcando em ritmos e melodias nativas. O que se percebe é que, mesmo sem recorrer ao nosso folclore, é possível reconhecer a brasilidade numa composição. Talvez certos europeus, americanos e mesmo certos brasileiros demonstrem uma enorme dificuldade em perceber um espírito de brasilidade se uma obra musical não possui uma “batucada” ou um aspecto de samba. Puro engano.
O caso de Almeida Prado e seus sons brasileiros não nacionalistas
A prova maior do que falo, esta brasilidade de composições não nacionalistas, percebo na obra de um dos maiores compositores que nasceram no Brasil: José Antônio de Almeida Prado (1943-2010). Sua impecável escrita para piano (foi um pianista excepcional) e para orquestra, sua formação singular feita por anos de aprendizado em Paris junto a Nadia Boulanger (1887-1979) e Olivier Messiaen (1908-1992) associada a uma inspiração que pode-se chamar de iluminada faz com que tenhamos em sua produção algumas das mais fascinantes partituras escritas por um compositor brasileiro. O próprio Camargo Guarnieri, que foi seu professor de composição antes de que ele se aperfeiçoasse na França, afirmava repetidamente que Almeida Prado, entre todos os seus incontáveis discípulos, foi o seu mais talentoso aluno. Mesmo sem recorrer a fontes folclóricas a obra de Almeida Prado possui uma brasilidade intrínseca que não se revela à primeira vista. Basta que vejamos além da superfície, e enxerguemos o nosso misticismo, nosso céu, nossa verdadeira essência. Para os estrangeiros isso é ainda mais difícil, mas ao reconhecermos numa obra, como a dele, uma intensa brasilidade, talvez sua obra tenha chance de ser mais tocada e conhecida. Convivamos com o nacionalismo, mas que não seja apenas através dele que a brasilidade musical seja reconhecida. Existe muita música brasileira não nacionalista de qualidade sendo escrita, mas com uma marca bem brasileira em sua essência.
Exemplos: Um Villa-|Lobos não nacionalista. Trio de cordas (1945). Seria uma obra menos brasileira?
Almeida Prado: “Cartas Celestes XI” para percussão e piano. Linda execução de Joaquim Zito Abreu e Thiago Kondo.
Lindembergue Cardoso. Procissão das carpideiras de 1969. Ruptura com o nacionalismo sem abandonar a brasilidade.
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