Música clássica e elitismo
Um mito que continua a circular em todos os lugares e meios é de que a música clássica é elitista. No sentido de elite financeira provo com alguns fatos que há mais do que um equívoco. Comparando a diferença dos preços dos ingressos de apresentações de outros tipos de música sentimos, nós músicos ligados à música clássica, até uma certa vergonha. Exemplo gritante foi a apresentação de uma dupla sertaneja (Jorge e Mateus) em Curitiba, no mês de outubro, cujos ingressos na plateia foram vendidos a R$1000. Enquanto os concertos de música clássica em Brasília (os da Orquestra do Teatro Nacional) são gratuitos e os de Curitiba são oferecidos por um preço bem baixo (R$20 para a Sinfônica do Paraná e por volta do mesmo preço para os concertos da Camerata Antiqua), certas estrelas da MPB cobram em seus shows ingressos que giram em torno dos R$250. Decididamente o mito de uma “elite financeira” curtindo música clássica é algo completamente descabido. Mesmo os concertos de grandes orquestras internacionais no Rio e em São Paulo tem ingressos cobrados compatíveis com estas apresentações de grandes estrelas da MPB, mas não podemos nos esquecer, por exemplo, que Chico Buarque (que cobrou R$295 em Curitiba) faz um show acompanhado por apenas 5 músicos, enquanto que uma orquestra como a Concertgebow de Amsterdã, que se apresentou no Brasil no meio do ano, tinha, além de um dos mais importantes maestros da atualidade (Maris Jansosns), mais de 100 músicos vindos da Holanda. Não dá para comparar o custo e o lucro.
O que há de elitismo em quem faz música clássica é algo que não tem nada a ver com capacidade financeira ou classe social. Este tipo de “elitismo” vem de um tipo de determinação e paixão que é conscientemente fadada ao não reconhecimento. Vale a pena lembrar que para que um instrumentista possa participar de uma boa orquestra profissional, por exemplo, são necessários anos de estudo e prática diária de seu instrumento. Alguém ter este tipo de dedicação, um pouco sem retribuição à vista, faz com que surja um tipo de elitismo sim, até mesmo um tipo de insanidade. Ainda mais quando sabemos que músicos medíocres, que não conseguem encadear mais do que três acordes, ficam milionários em um tempo muito rápido e se tornam estrelas da noite para o dia. Está certo, todos os brasileiros de boa índole sentem-se diminuídos e desprezados quando comparam seus salários com os dos políticos ou daquele prometido para um condenado no processo do Mensalão (falo do emprego de gerente de Hotel de José Dirceu – R$20.000), mas a coisa torna-se especialmente difícil de engolir quando um músico limitado tecnicamente, desafinado, mal instrumentista e mal cantor torna-se incensado na mídia, uma celebridade, enquanto um profissional altamente capacitado permanece um desconhecido. E isto não é só no Brasil. O mesmo se passa em qualquer lugar do mundo, mas uma coisa que se agrava aqui em nosso país é a falta de respeito com o artista dedicado à música clássica. A falta de cultura e discernimento tanto da classe rica quanto da classe política (nem todo rico é político mas todo político é rico) faz com que mesmo as autoridades se estapeiem para conseguir aqueles ingressos de R$1.000 reais para uma dupla sertaneja, e passem longe de concertos de música clássica. Pela discriminação nos tornamos mesmo uma elite.
Se está provado que não há uma elite financeira usufruindo da música clássica que tipo de “elite” é esta que insiste em gostar deste tipo de arte? Sim, creio que há mesmo um tipo de pessoa meio à parte que busca numa atividade artística não apenas se distrair, mas sim se cultivar. Neste caso não apenas a música clássica seria elitista, mas também a literatura, o teatro (quando falo de teatro não falo de besteirol), o cinema (idem) e as artes plásticas. O problema não está em se ter uma elite mas sim em se comportar como uma pessoa elitista. Não ter preconceitos e sobretudo tentar passar algo que seja possível transmitir do seu conhecimento, esta deveria ser a máxima de quem procura se cultivar. Nosso suposto conhecimento não deve ser algo que nos torne superiores. Dividi-lo é algo saudável. No caso específico do músico “clássico”, especialmente o músico de orquestra e o cantor de um coro profissional, a falta de reconhecimento, a dificuldade com lidar com estruturas administrativas onde abunda a ignorância e a desfaçatez, fazem muitas vezes com que este artista se isole. Um isolamento que tem todo aspecto de uma elite. Mais do que uma elite este isolamento mostra sua fragilidade.
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