O grande compositor italiano Gioachino Rossini (1792-1868) dizia que existem dois tipos de música: a boa e a ruim. No entanto nos sentimos forçados, em diversas ocasiões, a separar as composições musicais em dois tipos, dois estilos. O mais usual é chamar um tipo de música de “música popular”, e outro tipo de “música clássica”. Mas, visto que a palavra “clássica” tem lá suas desvantagens (que explicarei mais abaixo), ela tem sido substituída por diversos termos, que muitas vezes se revelam piores do que o termo “música clássica”.
Um deles é “música de concerto”, algo bem inexato pois, por exemplo, uma apresentação de um pianista de jazz (jazz é música clássica ou popular???) como Keith Jarrett é um concerto. Prova disso é que sua gravação mais famosa chama-se “O Concerto de Colônia” (The Köln Concert). Pois bem, “Música de concerto”, fica bem claro, é um termo impreciso.
O jornalista J. Jota de Moraes (1943-2012), que escrevia sobre música clássica no extinto Jornal da tarde de São Paulo, usava um termo que é ainda mais impreciso: música de linguagem. Este termo pode soar bem preconceituoso (aliás todos ao que parecem são) porque pressupõe que nenhuma composição popular tenha “linguagem”. Apesar de ter sido amigo do Jota, nunca concordei com este termo.
Uma criação da língua portuguesa é ainda pior: “música erudita”. Não encontramos o termo em outro idioma, pelo menos nos idiomas que conheço. A erudição pretendida no termo, além de ter um efeito danoso em relação à popularização do tipo de música em pauta, pressupõe que a erudição é um privilégio de um tipo de música. Daí a coisa fica bem injusta, pois, por exemplo, uma composição como “Construção” de Chico Buarque ou “Ces Gens Là” de Jacques Brel possuem uma erudição poética e musical (os dois escreveram a música e a poesia) que não pode ser desprezada.
O melhor termo que encontro, nesta malfadada divisão, é mesmo “música clássica”, mas mesmo este termo tem seus inconvenientes, que agora explicarei. O termo “clássico” pode ser confundido com um período da história da música que é conhecido como “classicismo musical”, aquele que coincide com a segunda metade do século XVIII. Daí chamar Stravinsky (1882-1971) de um compositor clássico é uma incongruência. E Mozart (1756-1791), seria um compositor clássico do período clássico?
O que percebemos é que no afã de se separar estilos artísticos usamos irremediavelmente termos problemáticos, e muitas vezes temos que consertar as coisas de forma que inúmeras vezes a “emenda sai pior que o soneto”. Por uma questão de redação, para se excluir a repetição de um termo, que já tem lá suas desvantagens, usamos outro que é pior ainda. Mesmo eu, em meus programas que produzo na Rádio Educativa do Paraná, tive que usar o malfadado termo “erudito” na apresentação de um programa. Este programa tem o título de “Os grandes ciclos da história da música” (vai ao ar às terças às 20 horas). Para não se pensar que o programa só trata de produções do período clássico, na segunda frase de apresentação o locutor diz, “a produção musical erudita em ciclos completos”. Levei a maior espinafrada de um amigo por causa disso, mas não vi solução melhor.
Nos dias de hoje a divisão entre “clássico” e “popular”, em termos musicais, está cada vez mais tênue. “Erudito” é mesmo de matar. “Música clássica”, apesar de bem melhor, é algo historicamente impreciso. O melhor mesmo seria ficarmos com Rossini: música boa e música ruim. Esta divisão, que respeita unicamente o gosto pessoal, não tem nenhuma contra indicação.
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“Ces Gens Là”, de Jacques Brel, não é uma composição repleta de erudição?
Construção,de Chico Buarque, uma obra prima da poesia e música, não é uma “música de linguagem”?
“Uma pequena serenata noturna” de Mozart não é uma música popular?
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