As Ninféias de Monet. Impossível compreende-las sem a música de Debussy| Foto:

 

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Na história da música detectamos diversos momentos em que há um definido contato entre a arte dos sons e as artes plásticas. Referência absoluta a este respeito é o livro em dois volumes “Miroirs de la musique” (Espelhos da música) do musicólogo francês François Sabatier, lançado na França pela editora Fayard. Infelizmente este magnifico trabalho de pesquisa nunca foi traduzido para nenhum outro idioma, nem mesmo para o inglês. O assunto é apaixonante, pois há um enriquecimento enorme nestes contatos entre dois tipos diferentes de pensamentos artísticos.

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Coincidências não casuais

 

Os exemplos de comparação das duas artes são inúmeros. Basta vermos que o pensamento musical ocidental se iniciou no mesmo momento em que a revolução arquitetônica e pictórica levou ao que conhecemos como Gótico. No momento em que as catedrais com seus riquíssimos vitrais ganhavam um aspecto muito mais exuberante no século XII nascia a polifonia típica da música ocidental nas mãos de Léonin (1150-1210) e de Pérotin (1160-1230). Creio por isso indissociável as “Organa” deles (que eram padres, além de músicos) com os templos que nasceram na França naquela época. Querem mais exemplos? Saltemos alguns anos e vamos ao início do século XVII.

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Para comemorar a chegada de mais um século o pintor italiano Michelangelo Merisi da Caravaggio (1571-1610) pinta em 1600 uma série de murais para a Igreja de São Luís dos Franceses em Roma, inaugurando um estilo de pintura que fazia uma enorme e bem definida divisão entre espaços claros e espaços escuros. Este dramatismo obtido pelo pintor italiano é pensado da mesma forma por um músico também italiano, contemporâneo de Caravaggio: Claudio Monteverdi (1567-1563). Na sua ópera Orfeo de 1607, na narrativa da Mensageira no segundo ato, é descrita a morte de Euridice com cores extremamente contrastantes, em lugares em que são justapostas escalas diferentes representando a vida e a morte. As dissonâncias e as relações harmônicas radicais de Monteverdi tornam-se ainda mais evidentes ao compararmos a arte do compositor às telas de Caravaggio. O mesmo se passa na segunda metade do século XVIII, quando a simetria era buscada de maneira frenética por certos pintores como Jacques-Louis David (1748-1825) e que nos mesmos anos de suas pinturas mais geométricas Mozart (1756-1791) escrevia, na mesma cidade de Paris, as suas sonatas para piano de cunho mais simétrico. A comparação entre a Sonata em dó maior IK 330 de Mozart e a tela “O juramento dos Horácios” de David, criadas praticamente na mesma época e na mesma cidade, nos faz perceber que o mundo musical pode ser melhor compreendido ao percebermos o que o cercava. Aliás em termos de paralelismos entre a pintura e a música a cidade de Paris é campeã: As pinturas de grande formato de Géricault (1791-1824) e de Delacroix (1798-1863) encontram um paralelo evidente nas obras grandiloquentes de Héctor Berlioz (1803-1869), e o impressionismo de Claude Monet (1840-1926) encontra uma ressonância gigantesca na arte do compositor Claude Debussy (1862-1918).

 

Exemplo único

 

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O exemplo mais claro de toda a história da música em termos de sua relação com a pintura é o nascimento da abstração nas mãos do pintor russo Wassily Kandinsky (1866-1944) e do atonalismo nas mãos do compositor austríaco Arnold Schoenberg (1874-1951). Existe uma farta correspondência entre os dois num período que vai de 1910 até 1914, mostrando que ambos procuravam uma nova direção mística para a arte. Em 1911 Kandinsky publicou seu livro “Do espiritual na arte”, muito admirado pelo compositor austríaco. Quando Kandinsky ouviu em Munique as Três peças para piano opus 11 de Schoenberg ele de imediato pintou Impressão III (Concerto), hoje em dia exposta na Lembachhaus em Munique. A negação do figuratismo do pintor veio de encontro a uma música que evitava qualquer escala musical já usada, sendo que os dois confessavam que o objetivo de suas ações era o mesmo: a transcendência espiritual. Nunca houve tamanha sintonia entre dois artistas de primeira grandeza como esta na história da música.

Século XX

O século XX ocupa quase que o segundo volume inteiro do livro que eu já citei de François Sabatier. Realmente o século passado apresentou coincidências que em geral podem ser compreendidas como consequência da comunicação mais fácil naquela época. Além dos exemplos já citados (impressionismo de Debussy e abstracionismo de Schoenberg) encontramos algumas coincidências impressionantes: as colagens musicais de Stravinsky (1882-1971) em seu ballet Petruschka de 1911  são absolutamente contemporâneas às colagens feitas nesta mesma época pelos pintores Picasso (1881-1973) e Braque (1882-1963), e no final do século outra coincidência importante é o minimalismo musical com a pintura hiper-realista.

Entre nós brasileiros temos duas coincidências também notáveis: pouca gente sabe que Heitor Villa-Lobos (1887-1959) dedicou seu Choros Nº 3 “Pica pau” de 1925 para a pintora Tarsila do Amaral (1886-1973).  A melodia indígena da obra é usada de forma a dar à partitura um ar parecido a muitas pinturas que Tarsila fez naquela mesma década de 20, sobretudo seu quadro Abaporu. A segunda coincidência de nosso maior compositor são os enormes afrescos musicais do “Descobrimento do Brasil” de Villa Lobos serem contemporâneos dos grandes murais que Portinari (1903-1962) pintou na Biblioteca do Congresso em Washington em 1941.

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 Conclusão

Ignorar estas relações entre a música e as artes plásticas faz com que percamos muito da beleza e do conteúdo das obras citadas. Tanto o músico como o artista plástico se isolam em seus ateliers, em seus estúdios, e isto é nocivo para ambos. Dizem que são sete as artes, mas defendo que todas elas estão interligadas.

Exemplos Musicais

Uma “Organa de Leonin. Música do período gótico

 

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A primeira das Três peças opus 11 de Schoenberg que inspiraram o pintor Kandinsky na interpretação de Maurizio Pollini

 

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O Choros Nº 3 de Villa-Lobos dedicado à pintora Tarsila do Amaral.Coro da Osesp regido por Naomi Munakata