Quando o tonalismo se fixou no século XVII, os múltiplos modos que eram usados na composição musical da idade média e renascença se resumiram a apenas dois: o modo maior e o modo menor. No período barroco houve uma divisão bem homogênea entre estes dois modos. Se observarmos as mais conhecidas e influentes coletâneas musicais impressas no início do século XVIII, como o “L’estro armonico” de Vivaldi, editado em 1711, vemos que dos doze concertos da coleção seis são em modo maior e seis em modo menor. Outros exemplos de equilíbrio em termos de modo maior/menor no período barroco: das Seis Partitas de Bach para cravo, três são em modo maior e três são em tom menor e das Oito Suítes para cravo de Handel cinco são em modo menor e três em modo maior. Enfim, os dois modos eram equivalentes em termos de frequência de uso no chamado período barroco.
O modo menor quase desaparece no período clássico
Mas a coisa muda radicalmente na segunda metade do século XVIII, e por meio século composições musicais com o uso da tonalidade menor quase desaparecem, sendo usada ocasionalmente em pequenos momentos de uma obra concebida em modo maior. Basta constatarmos alguns números estarrecedores: das mais de cem sinfonias que Haydn escreveu entre 1757 e 1795 apenas sete (!) são em modo menor. Das mais de quarenta sinfonias que Mozart escreveu entre 1764 e 1788 apenas duas são em modo menor, curiosamente na mesma escala, sol menor, as de número 25 e 40. O mesmo se passa nos mais de vinte concertos para piano e orquestra que Mozart compôs, onde apenas dois são em modo menor. Realmente o modo menor se tornou algo raro e especial no período que conhecemos como classicismo musical. No entanto, pela raridade, as poucas obras em modo menor são composições especiais e se tornaram muito célebres já no século XIX.
Razões sociais e econômicas
A principal razão do modo menor ser muito menos frequente no classicismo musical tem a ver com a mudança de quem consumia a música composta na Europa naquela época. A nova classe burguesa, os comerciantes e empreendedores bem sucedidos, se tornaram os maiores consumidores da produção musical daquela época. Concertos com ingressos pagos, encomendas da nova classe em ascensão e partituras que eram vendidas em casas editoras são as principais responsáveis por esta mudança estética. Música em modo menor, com suas alterações (sustenidos, bequadros) frequentes neste modo, dificultavam as execuções dos novos amadores musicais. Vender uma partitura para teclado em modo menor espantava o cliente pois era mesmo difícil de ler à primeira vista. Logo, os editores não viam como muito promissoras, em termos de vendas, obras neste tipo de tonalidade.
E os novos patrocinadores, menos sofisticados, como por exemplo a família Haffner de Salzburg, que encomendou diversas obras para Mozart, queriam obras alegres e descompromissadas. O tom menor, com seu aspecto mais sério e sisudo, não cairia bem numa festa de batizado ou casamento. Mesmo o patrão de Haydn, o Príncipe Nikolaus Esterházy, não era, ao que parece, particularmente admirador do modo menor. Quando Haydn escreveu sua “Sinfonia Queixa”, aquela que reclamava do excesso de trabalho dos músicos, a “Sinfonia do adeus” (45) não só escreveu em modo menor, mas na rara escala de Fá sustenido menor. Esterházy, que era um excelente músico, compreendeu imediatamente a mensagem, e tornou a vida de seus músicos menos estressante depois de ouvir a estranha composição.
A volta ao equilíbrio
Quando adentramos no século XIX o modo menor volta a conviver em pé de igualdade com o modo maior. Exemplos disso: das sete sinfonias de Tchaikovsky (as numeradas e a Sinfonia Manfredo) seis são em modo menor, e das doze sinfonias de Bruckner, (contando as de juventude) 7 são em modo menor. Realmente a partir da produção de Beethoven o modo menor reencontra um pé de igualdade com o modo maior. E na realidade é o modo menor que gerará um maior cromatismo, que levará, numa visão extrema, à ausência dos dois modos tonais no século XX. Mas não há dúvida: elementos sociais e econômicos ditam um bocado de coisas em termos estéticos. Estar atento e consciente a eles aumenta demais o nosso nível de compreensão. E podemos ver que os grandes gênios musicais souberam contornar as demandas e gostos: o período comercialmente mais estrito, aquele em que o modo menor era mal visto, viu nascerem incontáveis obras primas. Algumas até em modo menor.
Vídeos
Uma das raras sinfonias clássicas em modo menor, a Sinfonia em sol menor IK 183 (25) de Mozart
A Sinfonia do adeus de Haydn, na estranha tonalidade de Fá sustenido menor: uma raridade
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