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Na matéria que postei na semana passada ,“A Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo no Proms em Londres, e a ignorância brasileira sobre a musica erudita”, que teve até hoje 4389 acessos, muitos comentários de leitores criticavam o fato de que a OSESP tem em seus quadros, muitos músicos estrangeiros. Um leitor comentou: ”pseudo orquestra brasileira (Lotada de estrangeiros)”. “Outro “disse:” só lastimo que a Orquestra Sinfônica de São Paulo tenha no seu quadro uma maioria de músicos estrangeiros”. Outro ainda “disse:”Porque a OSESP não é regida por um brasileiro?”. Logicamente vocês poderão consultar todos estes comentários neste mesmo blog. Resolvi então adentrar neste espinhoso assunto, pois sei que é do interesse de muita gente, músicos ou não.

Creio que proibir estrangeiros para trabalhar aqui não seria justo, e nem combina com o meu perfil, sempre tolerante e flexível. E creio que na historia da musica de concerto no nosso país, alguns músicos estrangeiros foram de grande importância, contribuindo em muito para a nossa cultura. O mais emblemático exemplo é o fagotista francês Noel Devos. Veio para o Brasil em 1952, atuando como primeiro fagote da Orquestra Sinfônica Brasileira. Apesar de hoje em dia já estar aposentado, Devos continua sendo uma referencia musical, e não apenas para fagotistas. Sua relação foi excepcional até do ponto de vista da composição musical brasileira. Para ele, por exemplo, o compositor Francisco Mignone escreveu as 16 Valsas para fagote solo. Além de divulgar muito a musica brasileira, foi, e ainda é um professor amado por seus discípulos. A lista de alunos de Devos é tão grande, que não caberia nesta matéria. Enfim, Devos (de quem guardo com imenso carinho na minha memoria as dezenas de vezes que trabalhamos juntos) somou. Fez e faz diferença. A presença dele sempre foi benéfica, e deve servir como exemplo para todo estrangeiro que aqui chega. Tenho medo de omitir nomes. Desculpem-me se o faço. Mas gostaria de citar grandes instrumentistas que aqui vieram, e transformaram para melhor a nossa vida musical. Pego um de cada país. A violinista tcheca Ludmila Vinecka, grande professora, e atual primeiro violino do Quarteto de Brasília. A excelente violinista venezuelana Carla Rincón, primeiro violino do fantástico Quarteto Radamés Gnattali. O já falecido trompista italiano, Enzo Pedini, que entre outras coisas me ensinou de forma primorosa não só trompa, mas solfejo com os métodos excelentes que ele trouxe de seu país. Em São Paulo o húngaro Bela Mori, não só atuou por muitos anos como primeira viola da Orquestra do Teatro Municipal, mas foi professor de muitos brasileiros .O trompista inglês Philip Doyle, que nos fascina com sua habilidade técnica, e enriquece há anos o Quinteto Villa-Lobos Aqui em Curitiba, gostaria de citar Olga Kium, pianista russa, que colabora de forma significativa na preparação técnica de novos pianistas.

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Falei de músicos instrumentistas. Agora é a vez dos maestros. O primeiro exemplo que me vem à mente é Jenö Szenkar (1891-1977), maestro húngaro de primeiríssima qualidade. Basta dizer que foi ele que regeu a estreia mundial do Ballet “O Mandarim Maravilhoso” de Bela Bartók. Szenkar viveu no Brasil de 1944 a 1950. Foi através de seu esforço que, junto ao compositor José Siqueira, se fundou a Orquestra Sinfônica Brasileira. Sua presença entre nós deixou um legado extremamente importante. Assim como, ele maestros como o argentino Simon Blech ( Filarmônica de São Paulo) , o italiano Sérgio Magnani ( Orquestra Sinfônica de Minas Gerais) e o húngaro Pablo Komlós

( Orquestra Sinfônica de Porto Alegre) se integraram de forma notável à nossa cultura, e fizeram, em muitos casos, do Brasil a sua pátria.

“Capital Especulativo”

Quando não se dá uma colaboração, quando não há uma integração com a comunidade, daí o estrangeiro já pode ser visto como algo menos benéfico. Quando um músico instrumentista, ou maestro se recusam a falar o nosso idioma, mesmo depois de morarem anos entre nós, quando assumem uma postura de superioridade , ridicularizando nossa produção musical, e nossa pratica artística, daí creio que há algo errado. Nos últimos anos houve uma tendência, que posso comparar com o “investimento especulativo”. Por que faço esta comparação? Vejamos. O que leva um americano a investir por uma semana no Brasil, e depois tirar todo o dinheiro? São as taxas de juros e o cambio que tornam este investimento atraente, sendo que não fica nada de construtivo para o nosso país. O mesmo tem acontecido com os músicos. E a causa disso nem são os músicos estrangeiros em si, mas quem administra nossas orquestras. Muitas vezes isso acontece para satisfazer uma ambição de se ter uma “Filarmônica de Berlim” no Brasil. No ano passado houve uma destrambelhada tentativa no Rio de Janeiro, aproveitando o cambio favorável na época, de se demitir mais de 30 músicos, muitos deles de comprovada competência. Ao mesmo tempo em que foram chamados no meio das férias para novas e inexplicáveis audições, anúncios em jornais estrangeiros anunciavam audições em cidades do exterior para ocupar as mesmas vagas, mesmo antes das tais “audições” serem realizadas aqui. Houve uma revolta tão grande que acabaram voltando atrás. Artistas do nível de Nelson Freire e Cristina Ortiz apoiaram esta revolta, e cancelaram suas apresentações. Os músicos aprovados no exterior viriam no âmbito de uma situação que certamente não faria com que eles tivessem qualquer vinculo com o Brasil, e na guinada cambial que houve, teriam feito as malas e teriam ido embora. O perigo, neste caso, é de se tirar o emprego de brasileiros, para colocar estrangeiros no lugar. Além disso, os músicos estrangeiros seriam mais subservientes. Não questionariam nada já que sua permanência no país estaria ligada eternamente a uma boa relação com as administrações e maestros das orquestras que o contratavam. Temos que despertar para o fato de que o nível dos nossos instrumentistas subiu de maneira considerável nos últimos 20 anos, e considero algo muito duvidoso essa prática de se fazer audição em Londres ou Paris para vagas em uma orquestra brasileira. Se um estrangeiro vem até o Brasil para fazer uma audição, e se for superior a qualquer candidato, este, sim, deverá ficar com a vaga. Esta é minha opinião.

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No caso da OSESP creio que em sua reestruturação houve alguns excessos. A rotatividade de músicos foi muito grande durante certa época, tanto pelo capricho dos dirigentes, como pela própria conjuntura que se apresentava. Quase ninguém teve coragem de dizer certas coisas que marcaram estes “excessos” em relação a artistas estrangeiros. Vou citar um exemplo: em 2007, foi executada pela OSESP a Sinfonia Romeu e Julieta de Berlioz. Nesta sinfonia existe um solo de meio soprano. Este solo tem pouco mais de cinco minutos. Pois bem, trouxeram para executar este solo Michelle De Young, cantora americana de grande renome. Viajou de primeira classe, ganhou um belo cache (imagino eu), para cantar cinco minutos, um solo que poderia ter sido muito bem realizado por pelo menos cinco brasileiras que conheço. Este desperdício de dinheiro, este desprestigio com o artista brasileiro, são inaceitáveis. E não falo só como músico. Falo como cidadão. A OSESP é mantida, em sua maior parte, pelo governo do Estado de São Paulo. Um estado que tem tantas carências em termos de educação e saúde não pode se permitir ao luxo de trazer uma estrela para cantar cinco minutos numa obra de uma hora e meia. Neste caso creio que o estrangeiro está tirando o lugar de um brasileiro, e causando um enorme gasto completamente desnecessário.

Como percebemos, a maior parte das posturas negativas dos músicos estrangeiros é causada por uma administração ambiciosa e autoritária. A culpa não é do estrangeiro. A culpa é nossa.Se for para somar, se for para trocar informações, se for para desenvolver o nosso ambiente artístico, o estrangeiro é muito bem vindo. Mas se for para um estrangeiro vir para cá, a peso de ouro, ficar anos ocupando um posto musical importante, e nem ser percebido pela comunidade, e ter uma postura de “professor de Deus”, então seria melhor ele ter ficado em seu país.