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Nunca o Brasil teve alguém ligado à música clássica, fora o compositor Heitor Villa-Lobos, com o renome que o pianista Nelson Freire possui. Neste aspecto os únicos nomes de intérpretes eruditos brasileiros que poderiam ser comparados ao dele seriam os da pianista Guiomar Novaes, também ela uma celebridade mundial reverenciada até hoje, a cantora lírica Bidu Sayão, grande estrela do Metropolitan Opera nos meados do século passado e do Maestro Eleazar de Carvalho, o único maestro brasileiro a reger orquestras do nível da Filarmônica de Berlim e de Viena. Mas Nelson Freire, que acaba de completar 75 anos, foi ainda mais longe do que eles, gravando regularmente para selos importantes, junto a grandes orquestras e renomados maestros e se apresentando nas principais salas de música do planeta há muitas décadas. Em resumo tornou-se uma celebridade mundial. Todo concerto de Nelson Freire em Paris, São Petersburgo, Viena, Amsterdam, Helsinque, entre outras cidades, é um grande acontecimento musical. Creio mesmo que o Brasil não faz ideia de qual a importância de Nelson Freire na cena mundial da música clássica. Afinal de contas música clássica não faz parte do cotidiano da imensa maioria dos brasileiros.

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O que me surpreende muito em Nelson Freire é sua simplicidade e modéstia. Apesar de ser muito mais reconhecido na Europa e nos Estados Unidos do que em seu país natal, não se esquece do Brasil, e facilita muito suas apresentações por aqui em questões financeiras e de agenda, sempre se desdobrando em simpatia e gentileza. Outra coisa que me surpreende é o rigor técnico que ele tem consigo próprio. Me recordo há alguns anos ter ido ao teatro Guaíra numa tarde e ouvir um som de piano. No início não reconheci a música, mas em seguida percebi que se tratava do movimento final da Sonata Nº 3 de Chopin tocado num andamento absurdamente lento, e sem pedal. Me aproximei e vi que era Nelson Freire estudando. Uma obra que ele executava há décadas estudada, nota por nota, com afinco e esmero. Quando assisti o concerto à noite percebi que tanta limpeza e perfeição tinham sua razão. Apesar de praticamente "ter nascido pronto" (dava concertos antes dos 7 anos de idade) não descuida de sua forma técnica nunca.

Apesar do pianista nunca ter sido apaixonado por gravações seus registros mais antigos permanecem uma referência, e desde que grava exclusivamente para o selo DECCA (a partir de 2002) o lançamento de suas gravações, sempre premiadas, é um acontecimento mundial. Seu último CD "Encores", lançado para comemorar seus 75 anos, é dos mais sublimes registros pianísticos dos últimos tempos. Peças curtas, que poderiam servir de bis ("encores" em inglês) dão margem ao artista de mostrar sua refinada arte. O CD se abre como uma homenagem a Guiomar Novaes, pianista que ele idolatra, o trecho do Orfeu de Gluck que sua antecessora tantas vezes dava de bis. O ponto alto é uma seleção das "Peças Líricas" do compositor norueguês Edward Grieg, nas quais Nelson Freire se iguala ao russo Emil Gilels, referência máxima nestas obras. Um verdadeiro "pianista poeta" como ele é algo raro. Me vem à mente a espanhola Alicia de Larocha , o romeno Dinu Lipatti ou mais recentemente a portuguesa Maria João Pires. Mas na realidade sua arte é única.

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Ter um pianista nascido aqui no panteão dos gigantes do piano clássico é motivo de orgulho. Fosse o Brasil um país mais culto, sem dúvida Nelson Freire seria uma celebridade nacional.