Coisas boas em Curitiba
Quero neste breve texto relatar dois fatos acontecidos nesta semana que envolvem o Canto Coral, em Curitiba e em São Paulo. Um fato extremamente positivo e outro bem negativo. O fato extremamente positivo foi o excelente concerto que assisti ontem à noite com o Coro da Camerata Antiqua de Curitiba na Capela Santa Maria, em Curitiba. Com um repertório todo voltado à produção musical da América Latina o Coro deu mostras de uma excelência em termos técnicos e de musicalidade. A maestrina Maria Antonia Jimenez fez uma escolha muito feliz de obras musicais interessantes sempre com um texto poético significativo. Eu mesmo aprendi um bocado com a apresentação. Confesso, por exemplo, que não conhecia a grande arte do escritor cubano José Martí, do qual um belo poema foi utilizado numa obra (que eu também não conhecia) da compositora também cubana Beatriz Corona. Do ponto de vista educativo o concerto foi sensacional: todos os textos cantados foram disponibilizados para o público, junto com boas traduções. Projeções bem realizadas foram tremendamente úteis, e graças a elas fiquei conhecendo a pintura belíssima do equatoriano Oswaldo Guayasamín, homenageado em uma das obras apresentadas (“Entre el espanto y la ternura” também de Beatriz Corona). Um concerto bom como este não deveria ser apresentado apenas duas vezes no mesmo local. Este é o tipo de concerto para ir a escolas ou espaços públicos. Entre o numeroso público vi uma cena que me comoveu: um jovem casal com dois filhos explicava na orelha das pequenas crianças do que se tratava a música, e flagrei o pai entusiasmado quando um dos slides apresentava a imagem de um berimbau quando foi apresentada a peça de Edu Lobo que fala do instrumento. Apesar de não ouvir nada do que os pais cochichavam para as crianças (belo exemplo), senti que estava testemunhando algo bom de ver.
Coisas ruins em São Paulo
O fato negativo a que me refiro foi o anúncio de que os dois corais do Teatro Municipal de São Paulo serão fundidos em apenas um. O Teatro Municipal de São Paulo conta atualmente com dois coros profissionais: o Coral Paulistano, fundado por Mário de Andrade em 1936 é o coral de câmera do Teatro. O outro coro, o Coral Lírico, sempre foi mais voltado para óperas. Muitas vezes os dois coros se juntavam, mas abolir na prática o coro de câmera é mais uma das muitas asneiras da atual direção do teatro. O poder absoluto do diretor artístico do teatro (John Neschling) tem feito coisas de arrepiar, como sua recente briga com um diretor de teatro que provocou o cancelamento da apresentação encenada da ópera “O ouro do Reno” de Richard Wagner. Ópera nunca apresentada em São Paulo, por mero capricho será apresentada apenas em forma de concerto. Outra ação, digna da extinção do Coral Paulistano, é o fato de uma das glórias do canto lírico brasileiro, Adriane Queiroz, membro da Ópera Estatal de Berlim, e que atuou na gravação da Sinfonia Nº 8 de Mahler regida por Pierre Boulez, cantar em um segundo elenco na recente produção da ópera Don Giovanni de Mozart. O Teatro Municipal de São Paulo viveu há pouco tempo anos de glória, que a atual assessoria de imprensa da prefeitura de São Paulo ignora e esconde. Na gestão do maestro Abel Rocha o Teatro Municipal de São Paulo tornou-se um verdadeiro teatro lírico de primeira qualidade, com feitos importantíssimos, como a encenação de Bob Wilson da ópera Macbeth de Verdi e a primeira montagem em São Paulo da obra prima de Debussy, Pelléas et Mélisande. Vale lembrar que a grande maioria dos papéis destas primorosas montagens era entregue a cantores brasileiros, coisa que não se repete atualmente.
Lembro da tristeza da jornalista Marleth Silva, do jornal Gazeta do Povo, quando da extinção do Jornal da Tarde, da cidade de São Paulo. Minha tristeza é muito parecida. Por 5 temporadas fui o maestro do Coral Lírico do Teatro Municipal de São Paulo, e convivi com um sistema de excelência que raramente se ve aqui no país. Por um capricho e por uma ação autoritária isto vai desaparecer. Assim como a jornalista, no caso do Jornal da Tarde, lamento pelos empregos que desaparecerão e pela falta de respeito à história cultural de nosso país.
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