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Com a escolha do cardeal Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco (não entendo o porquê de não ser Francisco I), reacende-se uma questão importante para nós brasileiros. Por que os argentinos, apesar de sua inferioridade econômica, estão na dianteira quando o assunto é cultura e conhecimento. Fiquei 25 anos sem ir a Buenos Aires, e o que reencontrei foi uma cidade devastada por sucessivas crises econômicas, e aquela que já foi uma cidade europeia na América latina, se tornou uma cidade suja, pichada, e cheia de animais abandonados (cachorros e gatos abandonados é sinal de atraso, penso eu). Fiquei muito triste ao ver famílias inteiras dormindo ao relento numa temperatura abaixo de zero, famílias que visivelmente estavam largadas na rua há pouco tempo. Mas uma coisa me pareceu inalterada: a pujança cultural daquele povo. As livrarias, enormes, continuam apinhadas, e no metrô e no trem vemos muitas pessoas lendo. Por falar em livrarias lembro que o romance “O nome da rosa” de Umberto Eco foi inspirado em inúmeros livros antigos que o escritor italiano comprou em sebos na Avenida Corrientes. Aliás, por falar na Avenida Corrientes, ela já se pareceu com uma avenida parisiense, e hoje lembra a Avenida Nossa Senhora de Copacabana. O Brasil influencia a Argentina. Quem diria? Ressalto também que o ícone maior do modernismo brasileiro, o Abaporu de Tarsila do Amaral, encontra-se num museu argentino, comprado num leilão americano por uma quantia bem abaixo do que as tais das “verbas indenizatórias” de nossos queridos políticos.

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Argentina 5 X Brasil 0

Um placar que nos incomoda é o placar de 5 X 0 quando comparamos os Prêmios Nobel recebidos pela Argentina e lembramos que o Brasil nunca recebeu nenhum. São cinco os argentinos premiados : Bernardo Houssay, Prêmio Nobel de Fisiologia 1947, Luis Federico Leloir, Prêmio Nobel de Química 1970, César Milstein, Prêmio Nobel de Medicina 1984, Carlos Saavedra Lamas, Prêmio Nobel da Paz 1936 e Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz 1980 (aliás ele ontem defendeu o novo Papa em relação a acusações de conivência com a ditadura militar). Vale a pena lembrar que no campo da literatura o Chile ganhou o prêmio duas vezes com Gabriela Mistral e Pablo Neruda. Para o Chile, nesta questão perdemos de 2 X 0.

Argentina 2 X Brasil 0

Outro placar em que a Argentina é vencedora é na questão dos Oscars, o mais renomado prêmio do cinema. Ao contrário do Brasil, que nunca recebeu nenhum, a Argentina foi premiada duas vezes: em 1985 o Oscar de melhor filme estrangeiro foi dado para “A historia oficial”, e em 2009 o mesmo prêmio foi para “O segredo de seus olhos”. O cinema argentino tem hoje um reconhecimento mundial que nosso cinema, apesar dos sensíveis progressos, ainda não conseguiu.

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A Argentina: país de origem de alguns dos melhores músicos clássicos do mundo

Dois dos mais importantes músicos clássicos da atualidade nasceram em Buenos Aires: o grande maestro e pianista Daniel Barenboim e a mais famosa das mulheres pianistas dos dias de hoje: Martha Argerich. No caso de Daniel Barenboim é impressionante como este infatigável músico arruma espaço em sua agenda para homenagear sua cidade de nascimento, seja gravando tangos, seja regendo concertos ao ar livre em Buenos Aires exclusivamente com música argentina. Mas a lista de grandes músicos não para por aí não. Alguns dos maiores pianistas da atualidade são argentinos também: Nelson Goerner e Bruno Leonardo Gelber.O violinista Léon Spierer, spalla da Filarmônica de Berlim por algumas décadas também teve sua formação em Buenos Aires. Em termos de maestros ficamos impressionados também: Carlos Kleiber, tido por muitos como o maior maestro de todos os tempos, teve sua formação musical na capital argentina, e o mesmo se deu com o grande maestro alemão Michael Gielen. Em termos de compositores fiquei surpreso quando soube que Mauricio Kagel (1931-2008) era argentino, e não podemos esquecer que a sofisticação e a excelência profissional andaram de mãos dadas com uma grande inspiração na obra de Astor Piazzolla (1931-2008). Aliás, o Tango foi não somente o grande foco de Piazzolla mas outros compositores se interessaram pelo ritmo portenho, entre eles Igor Stravinsky (1882-1971), que escreveu dois tangos. Não posso dizer que nesta competição perdemos sem marcar nenhum gol, afinal de contas Guiomar Novaes e Nelson Freire estão entre os melhores pianistas do mundo que se tem notícia, e o maior compositor latino americano é um brasileiro: Heitor Villa-Lobos. Mas o placar ainda pende para os argentinos. Existe algo indisfarçável nesta “disputa”: o público. Assistir uma ópera ou um concerto em Buenos Aires nos mostra um tipo de respeito e atenção que raramente encontramos aqui. Vale lembrar que o Teatro Colón, mesmo na mais amarga das crises financeiras, permaneceu como um teatro lírico de primeiro mundo. Interessante lembrar que maestros do nível de Toscanini, Böhm e Erich Kleiber (pai de Carlos) trabalharam nele de forma regular e contínua, algo que nunca se passou aqui.

Brasil 5 X Argentina 2

Por que será que só no futebol permanecemos superiores aos argentinos? Por que será que nossa ciência, nossa literatura e nosso cinema são pouco prestigiados no exterior? A resposta talvez esteja no índice conhecido como IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Na última amostragem o Brasil aprece em 85º lugar enquanto a Argentina está em 45º lugar e o Chile então está em 40º lugar. O que gostaria de salientar? Que nossa educação, pífia em todos os sentidos, impede que nossa ciência e nossa arte decolem. Acabo acreditando que há algo de planejado por parte de nossos governantes. Quanto mais ignorantes formos mais eles podem mentir, aprontar, roubar. Somente um povo ignorante pode permitir que o presidente de um congresso fosse um homem com ficha pra lá de suja, somente um povo tacanho vai enriquecer “pastores” com suas promessas mirabolantes, e somente um povo ignorante pode permitir que um “pastor” homofóbico e racista seja presidente de uma comissão de direitos humanos. Neste ponto nossa classe dirigente é exitosa: ela criou um povo burro, despreparado, perfeito para ser ludibriado. Creio que não é só Prêmios Nobel e Oscars que nos faltam. Nos falta lucidez para vermos que não é o mundo que nos persegue. Somos nós que permitimos, com o tal do “jeitinho”, sermos vistos como “simpáticos”, mas não como “capazes”.