Dentro da excelente programação artística da 33º Oficina de Música de Curitiba, haverá nesta quinta-feira, dia 15, às 20:30 no Guairinha, um concerto que se destaca tanto pelos intérpretes como pelas obras a serem executadas. Vejo este evento como o ponto culminante desta excepcional programação. Trata-se de um concerto camerístico em que se interpretarão dois quintetos de cordas: o de Mozart, para dois violinos, duas violas e violoncelo em Sol menor, IK 516, e o Quinteto em Dó maior para dois violinos, viola e dois violoncelos ID 956 de Schubert. Obras escritas em Viena, respectivamente em 1787 e 1828. Duas obras primas inquestionáveis, que não são executadas em Curitiba há muitas décadas!
Mozart – A linguagem dramática em meio à música de câmera
O grande pianista e musicólogo americano Charles Rosen (1927-1012) diz em seu livro “O estilo clássico” que as mais perfeitas obras camerísticas de Mozart são seus Quintetos de Cordas. Ao escrever quintetos com dois violinos, duas violas e um violoncelo, Mozart tinha a ideia de, ao tocar a primeira viola, ficar bem no meio do conjunto. O único Quinteto originalmente pensado para cordas em uma tonalidade menor é este, catalogado por Köchel como número 516, escrito no mesmo ano da ópera Don Giovanni, 1787. O ambiente dramático do teatro de ópera permeia esta partitura, e quase podemos perceber os suspiros e as angustias de personagens da referida ópera como Dona Anna e Dona Elvira. Mesmo no “Minuetto”, os acordes dramáticos nos tempos fracos nos levam a este tipo de dramaticidade. A introdução lenta do último movimento está entre as páginas mais belas e dramáticas do autor e mais “teatral” ainda é a guinada completa que acontece no final da obra: depois de cores pesadas e sombrias o Quinteto termina com uma afirmação inquestionável de amor à vida em uma tonalidade maior. Além destes aspectos este quinteto do ponto de vista de sua arquitetura é das obras mais equilibradas e perfeitas do classicismo musical. Drama, perfeição formal, soberba escrita para os cinco instrumentos: estamos aqui frente a uma inquestionável obra prima.
Schubert – O embate da vida e da morte no final da vida do autor
Escrito dois meses antes da prematura morte do compositor, em setembro de 1828, o Quinteto de Schubert, catalogado por Deutsch como Nº 956, é uma das composições em que mais se sente o limiar entre a vida e a morte que o autor vivia. Schubert, aos 31 anos de idade, tinha consciência de que seu fim era iminente. No último ano de sua vida escreveu freneticamente obras longas e densas: As três últimas sonatas, a Missa em Mi bemol maior, o ciclo de Canções “Viagem de inverno”, e muitas outras, a ponto de se supor que o autor dormia em 1828 menos de quatro horas por noite, tal a quantidade de música que ele escreveu neste período. O Quinteto em Dó maior, cuja cor dramática é reforçada pelas cores graves de seu segundo violoncelo, associa este drama pessoal do autor com um equilíbrio que o tornam um sério concorrente de ser a obra máxima do autor.
Desde o início essa justaposição de claro e escuro se faz presente: um suave acorde de dó maior é subitamente transformado num acorde dissonante (sétima diminuta) voltando para o acorde inicial. Outro contraste neste início: a frase em dó maior é respondida em um tom menor (ré), marcando a entrada do segundo violoncelo no conjunto. O primeiro movimento respira o tempo todo este tipo de ruptura. O segundo movimento começa com uma plácida melodia em textura de Choral, sublinhada por suaves pizzicatos do primeiro violino e do segundo violoncelo. O pianista polonês Artur Rubinstein (1887- 1982) se referia a este trecho como a visão musical mais precisa do que seria a paz que a morte traria. Mas tanta paz é perturbada por uma tempestuosa passagem que revela de forma clara esta luta final. A Paz volta na seção final do movimento, mas nos últimos compassos a tempestade aparece de forma velada. No Scherzo mais uma vez o claro e o escuro: início sonoro em dó maior, referências a sons festivos dá lugar a algo excepcional, nunca visto antes: em meio ao Schezo em Dó maior surge um sombrio Trio em Ré bemol maior. Belas nuvens escurecem a paisagem. Schubert nos faz viajar em meio a sua luta. No movimento final esta luta de claro e escuro continua. O movimento começa em dó menor, apresentando ideias alegres em meio a climas angustiantes. O Final da obra deixa aberta esta dúvida: o dó final é precedido por um ré bemol ameaçador. Schubert abre sua alma e nos revela o magnífico compositor que era.
Intérpretes
Obras excepcionais, há muito tempo não executadas em Curitiba são ainda mais valorizadas pelos intérpretes que as executarão: o Quarteto Carlos Gomes, formado pelos instrumentistas Cláudio Cruz (o diretor artístico do evento) e Adonhiran Reis – violinos, Gabriel Marin -, viola e Alceu Reis – violoncelo recebem dois instrumentistas excepcionais: a violista americana Jennifer Stumm no quinteto de Mozart e o brasileiro mundialmente conhecido, o violoncelista Antônio Menezes no Quinteto de Schubert. Ao que parece uma noite histórica na 33ª oficina de música de Curitiba.
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