Depois da morte do compositor Pierre Boulez (1925-2016) no início do ano, praticamente se encerrou uma dinastia de compositores que no final da Segunda guerra mundial pretendia reinventar a linguagem musical. Um grupo de criadores musicais que, pela primeira vez na história da música, tinha um sério propósito de serem compositores de vanguarda. Eles tinham consciência de que uma revolução musical aconteceu no início do século XX, antes da Primeira guerra mundial, aquela cujos protagonistas eram Debussy, Schoenberg, Bartók, Stravinsky, Webern, Berg, e em outro contexto Varése e Charles Ives. Mas esta revolução do início do século foi “engolida” por uma visão muito mais conservadora a partir dos anos 1920, que viu o domínio de correntes ecléticas e passadistas: o neoclassicismo, o Grupo dos Seis, o Retorno a Bach, etc. Esta nova vanguarda, que surge por volta de 1948, tinha o sério propósito de repelir qualquer traço de ligação com o passado. Seus ídolos maiores eram o compositor austríaco Anton Webern (1883-1945) e o compositor francês Olivier Messiaen (1908-1992), e o interesse maior estava em novas maneiras de se expandir o serialismo proposto por Schoenberg. A obra para piano de Messiaen “Modos de intensidade e valores” de 1949, se tornou a bússola destes novos autores. Por mais de dez anos, a partir de 1950, um grupo de compositores, de diversas nacionalidades, se reuniam durante o verão no Instituto Kranichstein em Darmstadt (Alemanha) para refletir, discutir e praticar soluções novas. Além de Pierre Boulez o grupo era formado pelos italianos Luigi Nono (1924-1990), Bruno Maderna (1920-1973) e Luciano Berio (1925-2003), pelo compositor alemão Karlheinz Stockhausen (1928-2017), pelo belga Henri Pousseur (1929-2009) e pelo argentino Mauricio Kagel (1931-2008). Posteriormente (1956) se reuniria ao grupo o húngaro Györgi Ligeti (1923-2006) e o grego, naturalizado francês Iannis Xenakis (1922- 2001). A produção musical deles era tão radical que era executada para públicos específicos (festival de Donaueschingen na Alemanha por exemplo) e por instrumentistas e maestros também específicos (o duo pianístico dos irmãos Kontarsky , o violoncelista Siegfried Palm, o violinista Saschko Gawriloff, e os maestros Hans Rosbaud e Hermann Scherchen). É deste período que surgem obras primas como “Kontrapunkte” e “Zeitmasse” de Stokhausen, “Le marteau sans maître” de Boulez e as primeiras obras da série “Sequenza” de Berio. A ideia de uma vanguarda radical se expandirá para novas fontes sonoras: a música eletrônica (praticada por Stockhausen e Nono entre outros) e a música concreta (sons captados e manipulados pelos franceses Pierre Schaeffer (1910-1995) e Pierre Henry, nascido em 1927). Muitas obras vinham atreladas com uma novidade tecnológica que hoje já está obsoleta: a fita magnética.
Esta arte radical, distante da vida musical corriqueira, fez com que a maioria destes compositores se tornasse hoje ilustres desconhecidos. Algumas posturas se tornaram tão datadas que hoje quase se tornam caricatas. Luigi Nono, por exemplo, vai associar uma linguagem musical bem radical a uma ideologia política muitas vezes histérica em obras comprometidas com causas revolucionárias como “A floresta é jovem e cheja de vida” que usa texto de guerrilheiros africanos contra a guerra do Vietnam e “Como una ola di fuerza y luz” que exalta um operário morto pelas tropas de Pinochet no Chile. Não há dúvida que Nono foi um grande compositor, e prova disso é sua obra para piano e fita magnética “…Sofferte onde serene…”, uma belíssima e poética partitura, mas a maior parte da produção dele permanece esquecida. Percebemos que poucos compositores deste grupo, que ficou conhecida como “Escola de Darmstadt”, conseguiram ultrapassar o correr do tempo. Quem conseguiu? Em primeiro lugar citaria Györgi Ligeti, cujas obras vêm sendo executadas e gravadas regularmente. Seguem Luciano Berio, cuja Sinfonia de 1968 já foi gravada mais de dez vezes e que já foi apresentada em todo o mundo (inclusive no Brasil, em Manaus, São Paulo e Rio de Janeiro) e que foi autor de uma série fundamental para a música instrumental moderna, as 14 “Sequenza” para instrumentos solo. Pierre Boulez conseguiu impor suas obras principalmente pela defesa que fazia delas como maestro excepcional que era. “Marteau Sans Maître”, “Sur Incises” e “Répons” são obras maravilhosas, mas só a primeira, junto com as duas primeiras Sonatas para piano que são executadas com frequência. Pouco a pouco as “Klavierstücke” de Stockhausen encontram uma receptividade nos repertórios dos pianistas, mas seus gigantescos painéis sonoros (com horas de duração) como “Sirius” (inspirados nos planetas), “Licht” (inspirados nos dias da semana) e “Klang” (enorme partitura inspirada nas horas do dia), apesar de terem sido festejados em suas estreias, tornaram-se rapidamente esquecidos. Pousseur, Kagel, Xenakis e Maderna não possuem nenhuma obra que permaneceu no repertório ou que seja regularmente executada. Devemos lembrar que no ocaso da “Escola de Darmstadt” aparece outra corrente vanguardista na Polônia, dominada por dois grandes compositores: Witold Lutosławski (1913-1994) e Krzysztof Penderecki (nascido em 1933). O último mudou radicalmente de estilo nas últimas décadas, tornando-se extremamente conservador, mas suas obras escritas por volta de 1960 parecem mesmo reacender o espírito iconoclasta de Darmstadt. Negar a importância desta “Escola de Darmstadt” seria algo completamente errôneo. Mesmo com a questão da dúvida da permanência esta corrente, com seu ideal de ruptura e de reconstrução, aparece hoje como algo extremamente importante e necessário, frente a uma tendência cada vez mais frequente de valorizar o já visto, passar por caminhos já traçados, de uma produção musical que, lamentavelmente, ignora que já houve um espírito inovador. Ser de vanguarda está decididamente fora de moda.
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