• Carregando...
Oficina de Música de Curitiba: Concerto magnífico. Reflexões necessárias
| Foto:
barokkanerne.no
Um dos maiores especialistas em violino barroco do mundo: o curitibano Rodolfo Richter

Assisti ontem à noite um concerto excepcional onde foram apresentadas apenas composições de Johan Sebastian Bach. O Concerto, apresentado na Capela Santa Maria, aqui em Curitiba, fez parte da 31ª Oficina de Música promovida pela Fundação Cultural de Curitiba. Algumas cantatas de Bach foram soberbamente interpretadas pelos cantores Rodrigo del Pozo e pela estrela mundial da música barroca, Maria Crisyina Kiehr. O que mais impressionou nos dois foi a dicção, sendo que nos recitativos cada palavra era claramente inteligível. Sem dúvida Maria Crisyina Kiehr tem um comprometimento com o texto que explicam sua fama. Os instrumentistas, todos excelentes, foram coordenados pelo violinista Rodolfo Richter, um dos maiores especialistas em violino barroco da atualidade. Aliás foi Rodolfo que conseguiu trazer estes excelentes músicos , mesmo nas condições dramáticas do sumiço das verbas para a Oficina, no final da última gestão da prefeitura. Aliás agradeci pessoalmente ao novo presidente da Fundação, Marcos Cordiolli, pela milagrosa concretização da oficina deste ano. Voltando ao concerto vale a pena ressaltar a magnífica execução de quatro fugas da Arte da Fuga, execução esta que hipnotizou a plateia. Quando uma obra cerebral é feita com convicção, o resultado só pode ser este: a comunicação se estabeleceu com a plateia , e a reação do público foi condizente com a excelente execução. Não consigo deixar de citar alguns músicos que foram de uma competência excepcional: Willian Carter ao Alaúde (infelizmente seu nome nem constava no programa, que aliás continha traduções para o inglês dos títulos alemães das partes das cantatas !!!), Phoebe Carraí ao violoncelo barroco, os violinistas Andrew Fouts e o já citado Rodolfo Richter e o gambista Juan Manuel Qintana.

harminiamundi.com
Maria Cristina Kiehr, a grande estrela do concerto de ontem

Os instrumentistas de sôpro foram convincentes também, tanto a excelente flautista Rachel Brown, quanto o entusiasmado oboísta Diego Nadra. O Concerto foi de um nível raramente visto aqui e me fez lembrar as origens da Oficina de Música. Passo informações que não são possíveis de achar mesmo fazendo-se uma extensa pesquisa. A memória é algo bem mal guardada, e muito manipulada em nossa cidade.

Os Festivais de Música de Curitiba

De 1965 até 1977 aconteceram em Curitiba , no mês de janeiro, 9 festivais , que duravam 30 dias. Foram idealizados pelo compositor José Penalva e pela pianista Henriqueta Garcez Duarte. Em oito, dos nove festivais, o diretor artístico foi o Maestro Roberto Schnorrenberg. Participei dos dois últimos, no de 1975 como aluno, e no de 1977 como aluno e professor assistente. O elenco de professores era simplesmente excepcional, tanto em qualidade como em número. A lista de celebridades é enorme: Johannes Goritzki, Noel Devos, Klaus Wallendorf (trompista da Filarmônica de Berlim, com o qual tive dezenas de aulas), Waldemar Wandel, Helman Jung, Kent Nagano e inúmeros, incontáveis outros mestres. Estes festivais mudaram minha vida. Na época morava em São Paulo e foram estas duas estadas que me levaram a fazer o concurso que me troxe à cidade. A diferença fundamental entre estes festivais e a atual Oficina de Música, é a duração e a profundidade. Ficávamos aqui durante um mês, e o professor que não aceitava aqui permanecer o tempo todo do curso simplesmente era “desconvidado”. Em quatro semanas tínhamos mais de 25 aulas de instrumento, e participávamos da execução de grandes obras. Eu fiz parte do coro (que era obrigatório) que executou partituras extremamente complexas como a Missa Solemnis de Beethoven e o Stabat Mater de Szymanovski. Vale a pena lembrar que os concertos, que aconteciam a cada noite, eram , todos eles maravilhosos. Nunca vou me esquecer, por exemplo, de um dos Quintetos de Mozart executado por Raphael Hillyer (violista do quarteto Julliard) e pelo quarteto Wilanow. Volto a repetir que a imersão por um tempo tão consistente era de uma importância capital. A “antropofagia”, típica de Curitiba, fez com que estes festivais, os melhores que o pais já teve, acabassem. Graças à ação heroica da cravista Ingrid Muller Seraphin os Festivais tiveram , sob a égide da Prefeitura (os Festivais eram produzidos pelo governo estadual), uma continuidade através das Oficinas de Música. Para tornar mais aceitável em termos de custos (o poder público é extremamente avaro em questões culturais) , Dona Ingrid (como todos nós a chamamos), reduziu os cursos de 30 para 15 dias. Nestes moldes da Oficina trabalhei em 12 edições como professor de análise musical e harmonia (nunca entendi o porque do meu desligamento, ah essa “antropofagia”), e pude ver a desastrada transformação de 15 para 10 dias de duração. Recordando: Festivais- 30 dias. Oficinas – 15 dias. Oficinas atuais – 10 dias. Em resumo, estamos em um terço do que era oferecido a estudantes de música clássica, numa época em que o Paraná e Curitiba eram muito mais pobres. Além disso, estes 10 dias viram 7, com a chegada atrasada e partidas antecipadas dos professores. Criou-se, a meu ver, outro absurdo. A Oficina de Música de MPB. Por que esta divisão? Um instrumentista de MPB não deve ter uma excelente formação de solfejo, de harmonia, de instrumento??? Egberto Gismonti, um de nosso melhores músicos populares por exemplo, estudou com Nádia Boulanger em Paris, a mesma renomada professora de inúmeros compositores de música clássica. A troca entre os dois estilos seria algo extremamente benéfico. Mas cria-se uma divisão, que em nada ajuda ambas as partes. Em resumo, creio que a Oficina de Música deve ser repensada, remodelada, e ser transformada de novo num curso intensivo que efetivamente mude a vida dos alunos. Que o concerto de ontem à noite seja a prova maior de que a qualidade é o que deve nortear o curso. Mas a duração, e a profundidade devem ser repensadas.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]