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No dia 16 de outubro de 1912, há exatos 100 anos, estreava em Berlim o Pierrot Lunaire de Arnold Schoenberg, uma das obras mais importantes compostas em todo o século XX. Sua concepção é de tal originalidade que acabou influenciando diversos compositores por muitas décadas. As mais importantes obras escritas sob a influência da obra de Schoenberg vão desde as “Três líricas japonesas” (dezembro de 1912) de Igor Stravinsky, passando pelos Três poemas de Mallarmé ( 1913) de Maurice Ravel, até Le marteau sans maître(1955) de Pierre Boulez.

Um pouco da vida de Schoenberg

Arnold Schoenberg nasceu em Viena no ano de 1874. Tremendamente influenciado pelo rico material musical da capital austríaca (Mozart, Beethoven, Schubert, Brahms, Mahler) foi na maior parte do tempo um autodidata. Capaz de absorver a essência dos grandes mestres alemães iniciou sua carreira de compositor como um ultrarromântico. Suas obras Noite Transfigurada opus 4 para sexteto de cordas (mais tarde fará uma versão para orquestra de cordas) e Gurrelieder para solistas dois coros e uma imensa orquestra, por exemplo, fazem uma genial junção das duas correntes discordantes do romantismo alemão : a do formalista Brahms e a do descritivo Wagner. É nesta época que Schoenberg se tornará um dos principais professores de harmonia, análise e composição musical de seu tempo. A saturada linguagem pós-romântica o leva a um rompimento com a tonalidade, e uma série de obras originais são escritas numa rapidez pouco comum ao autor. De 1909 até 1913 Schoenberg escreverá suas obras mais “indispensáveis”.

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Atonalismo

Nesta segunda fase, a fase atonal, Schoenberg evita formas como a sinfonia, o concerto ou qualquer outra manifestação clássica. Suas Três peças para piano opus 11 marcarão uma unidade de pensamento com o pintor russo Vassili Kandinsky (1866-1944), este que buscava a abstração enquanto o compositor austríaco buscava a atonalidade. O quadro de Kandinsky Impressão Nº 3 (concerto)

é um retrato da estreia em Munique das Três peças opus 11 de Schoenberg. Em apenas três anos o compositor austríaco foi de uma ousadia que lhe valeram inúmeros fracassos e uma completa hostilidade sendo que o compositor Gustav Mahler (1860-1911) foi dos poucos defensores que ele teve na capital austríaca. Pierrot Lunaire foi composto no final desta fase tão importante de Schoenberg, e sua solução instrumental e vocal possibilitou que fosse a obra atonal mais conhecida naquela época, isto porque sua concepção para um pequeno grupo instrumental e para uma “cantora-atriz” lhe possibilitou a apresentação da obra em diversas cidades da Europa. Schoenberg depois desta fase atonal permaneceu em “silêncio” por quase dez anos, sendo que sua terceira fase de composição vê o nascimento do serialismo. Perseguido pelos nazistas foge da Europa em 1933, fixando-se nos Estados Unidos até sua morte em 1951.

Estrutura

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Pierrot Lunaire é uma obra em 21 partes (o autor fala “Três vezes sete poemas”) para pequeno grupo instrumental (piano, violino, viola, violoncelo, flauta, flautim, clarinete e clarinete baixo) e uma cantora. Os poemas usados são do belga Albert Giraud (1860-1929) traduzidos para o alemão por Erich Hartleben (1864-1905). Hartleben não só traduziu, mas também modificou consideravelmente os poemas, tornando-os muito mais próximos do expressionismo alemão do que o original em francês. Além da linguagem atonal, e além da instrumentação revolucionária (contraste frente às centenas de intérpretes requeridos por obras como Gurrelieder), temos uma novidade absoluta: O Sprechgesang, que em português seria “Canto falado” ou “Fala cantada”. Schoenberg indica a altura das notas, mas explica que as mesmas são apenas pontos de referência. As notas devem ser atingidas e logo abandonadas. Vale ressaltar que a obra foi estreada e dedicada a uma atriz, que tinha formação musical: Albertine Zehme. A falta de clareza da explicação do compositor em relação ao Sprechgesang faz com que a interpretação se torne muito diferente de intérprete para intérprete. O próprio Schoenberg gravou a obra nos Estados Unidos, e percebemos nesta versão uma propensão muito maior para a fala do que para o canto. Ao contrário, a gravação de Yvone Minton com Pierre Boulez relizada nos anos 70 é praticamente toda cantada. De qualquer maneira o texto, para quem entende alemão, é facilmente compreendido pelo público e isto explicaria a relativa popularidade da obra. Ressalto que homens tão diferentes de Schoenberg como Stravinsky e Puccini assistiram e apreciaram apresentações da obra. Schoenberg agrupou os 21 poemas escolhidos em três assuntos: a embriaguez de Pierrot, a crueldade sobre Pierrot, e a saudade da terra natal de Pierrot, Bergamo. Apesar do pequeno número de instrumentos requeridos, cada uma das 21 partes tem instrumentações diferentes. Somente na última parte todos os instrumentos são utilizados. As relações entre o texto e a música são absolutamente fascinantes, e a originalidade da partitura permanece intacta mesmo 100 anos depois. Não pretendo fazer uma análise da obra, e para quem tiver interesse recomendo aquele que julgo o melhor estudo da partitura: o livro escrito por Jonathan Dunsby, Schoenberg: Pierrot Lunaire, editado pela Cambridge University Press (1992).

Pierrot Lunaire no Brasil e gravações recomendadas

Pierrot Lunaire é uma obra pouco executada no Brasil. Numa tentativa de torna-la mais acessível o poeta Augusto de Campos fez uma tradução exemplar para o português, apesar de que realmente prefiro as ressonâncias alemãs que me parecem mais apropriadas para a linguagem de cabaré pensada pelo compositor. Cumpre ressaltar que eu regi a primeira audição em Curitiba, no ano de 2006, com um grupo de excelentes músicos daqui e com a notável cantora Marta Herr, sendo que no mesmo concerto a obra de Schoenberg foi precedida pelas composições de Stravinsky e Ravel, influenciadas pela partitura do compositor austríaco. Em termos de discografia Pierrot Lunaire é uma obra abundantemente gravada. A minha gravação favorita nunca foi editada em CD, e foi impecavelmente realizada pela cantora americana Bethany Beardslee, com uma clara regência de Robert Craft. Das gravações disponíveis aquela que julgo a mais perfeita é a da notável cantora Anja Silja, com regência também de Robert Craft, lançamento do selo Naxos. Confesso que tenho muita curiosidade a respeito da interpretação da cantora islandesa Björk no festival de Verbier em 2006.