Este é o quarto texto de uma série de 5 em que levanto nomes de compositores que foram extremamente influentes na história da música. No primeiro texto (você pode ler aqui) falei sobre autores essenciais na idade média. No segundo texto tratei dos músicos da Camerata Fiorentina, que, sem saber, mudaram até noções básicas da música ocidental (você pode ler aqui). No terceiro texto falei da fortíssima influência de Johann Sebastian Bach que no entanto só foi sentida cem anos depois de sua morte. Agora chegou a vez de falar dos mais influentes compositores do século XIX: Beethoven e Wagner.
Do classicismo para o romantismo: a importância de Beethoven
Ao contrário de todos os compositores citados nos três textos anteriores Ludwig van Beethoven (1770-1827) tinha consciência de sua permanência mesmo depois de sua morte. Admirador da obra de Mozart (1756-1791) e de Haydn (1732-1809), ele tinha clara ideia de que era um continuador de uma “escola”. Diferente de seus antecessores, os meios de que dispunha, a orquestra, o piano e a técnica instrumental, lhe pareciam uma “roupa apertada”. Por isso na obra de Beethoven tudo parece caminhar para o futuro, tudo foi transformado. A começar pela orquestra. Beethoven solicita uma eficácia técnica e sonora da orquestra que abriu caminho para grandes e revolucionários orquestradores que o viam como o grande exemplo, como Berlioz (1803-1869) e Wagner (1813-1883). Beethoven torna-se o pai do “Poema Sinfônico” ao escrever suas aberturas dramáticas como Egmont e Coriolano. Ao contar toda a história do drama em uma peça musical de 10 minutos ele abre caminho para a música descritiva de Liszt (1811-1886) até Richard Strauss (1864-1949). Beethoven, através de sua Sinfonia Nº 6, a Pastoral, abre caminho para as “Sinfonias programáticas”. Sem a “Pastoral” não existiriam obras como “Sinfonia fantástica” e “Haroldo na Itália” de Berlioz, nem a “Sinfonia Fausto” e a “Sinfonia Dante” de Liszt ou mesmo a Sinfonia Alpina de Richard Strauss. Em termos pianísticos as obras de Beethoven, por seu personalismo e por transformar o instrumento como um autêntico meio de expressão dramático, abre caminhos não só para os compositores futuros, mas exige pianistas especialistas para vencer tantas dificuldades técnicas. Beethoven deu origem ao virtuosismo. Esta revolução na orquestra e no piano também será observada na maneira como ele trata o “Quarteto de cordas”. Os Quartetos de Beethoven serão as referências absolutas até mesmo dos quartetos de compositores do século XX como Bela Bartók (1881-1945) e Arnold Schoenberg (1874-1951).
Nos “desbravamentos” de Beethoven nasce a necessidade de existir o maestro. Sim, por problemas técnicos de junção dos instrumentos, a partir da obra do mestre torna-se necessária a presença de alguém capaz de unir de forma precisa a orquestra. Exemplo bem claro é o início da Quinta Sinfonia. Sem um bom maestro o tema do primeiro movimento soa de forma temerária. E este é apenas um exemplo. Na produção do mestre existem dezenas de exemplos que motivaram o surgimento deste músico capaz de coordenar um numeroso grupo. Não é por acaso que o primeiro grande maestro da história, François Habeneck (1781-1849), criou fama com suas execuções impecáveis das 9 Sinfonias do mestre.
Do ponto de vista da linguagem musica as novidades são inúmeras. Harmonicamente Beethoven exibe comportamentos tão inovadores, e no campo rítmico são tantas as inovações que, nestes aspectos, o compositor russo Igor Stravinsky (1882-1971) afirmou em uma palestra que nunca houve uma música que abriu tantos caminhos na história da música como o Primeiro Movimento da Sinfonia Eroica. Não há dúvida: Beethoven transformou e expandiu a linguagem musical ocidental. Decididamente um compositor altamente influente.
Wagner: o ego a serviço da modernidade
Richard Wagner (1813-1883) ambicionava ser o maior compositor de seu tempo, e pode-se dizer que está mesmo entre os grandes músicos do século XIX. Além de Beethoven um de seus ídolos era Carl Maria von Weber (1786-1826), para muitos o criador da ópera romântica. Se Wagner admirava demais a obra de Beethoven, ele acreditava que este tinha esgotado as formas clássicas. Por isso pensava em escrever obras dramáticas, isto é, óperas, com o mesmo esmero musical de seu antecessor. Isso explica o fato de Wagner ter escrito basicamente apenas obras dramáticas e sua desastrosa Sinfonia em Dó é um bom exemplo de que Wagner escolheu o caminho certo.
No início de sua carreira Wagner já apresentava um personalismo tal que o fazia o autor dos textos de suas óperas (ele dispensa os medíocres libretistas). Se a influência de Beethoven, Weber e de Giácomo Meyerbeer (1791-1864) são sentidas em óperas como Tannhäuser (1845) e Lohengrin (1848), já percebemos que há algo de novo e belo no mundo musical. Mas é a partir de seu exílio em 1849 que a linguagem de Wagner decididamente abrirá caminho para o futuro. Falo de obras como O anel do Nibelungo, Tristão e Isolda e Parsifal. Suas óperas evitam uma divisão em “números” (árias, duetos, etc) e seus libretos são uma reflexão sobre os mitos que aparecem na mitologia nórdica e na literatura medieval alemã. Ele imagina o que ele chama de Gesamtkunstwerk, ou em português, Obra de arte total. Para aprimorar os meios deste tipo de obra ele amplia e dá uma importância inédita para a orquestra num espetáculo lírico. E para revelar a motivação psicológica dos personagens ele faz uso de harmonias e de dissonâncias inéditas e que seriam utilizados por diversos importantes compositores posteriores a ele como Bruckner, Mahler, Schoenberg e Richard Strauss. Para o desenvolvimento do drama Wagner aperfeiçoa o Leitmotiv (motivo condutor), um equivalente musical para personagens, objetos, locais e sentimentos. A célula musical de Beethoven a serviço do drama.
Wagner deixará um legado, se falamos em termos de influência musical, de uma proporção impressionante. Mesmo compositores que não admiravam sua obra como os italianos Verdi (1813-1901) e Puccini (1858-1954) utilizaram o leitmotiv em seus trabalhos. Igor Stravinsky, que não era exatamente fã de Wagenr se utiliza de “Tubas Wagnerianas” em seu ballet “A sagração da primavera” (1913), e sons wagnerianos são ouvidos em alguns momentos de seu ballet “O pássaro de fogo” (1910). O compositor francês Claude Debussy (1865-1918), que quando jovem admirava bastante o mestre alemão, tornou-se um severo crítico da arte wagneriana, mas percebemos claramente ecos da obra que ele criticava em páginas orquestrais com o “Preludio para a tarde de um fauno”, uma página que herda o espirito erótico de Tristão e Isolda, e sua única ópera, Pelléas et Mélisande, se utiliza de forma clara da técnica de leitmotiv. As magníficas óperas de Richard Strauss como Salomé, Elektra, A mulher sem sombra, deixam bem clara esta influência, e diria mesmo que Richard Strauss, outro compositor muito influente, será um potencializador da influência wagneriana. A saturação cromática de Wagner abre caminho para o atonalismo de Schoenberg e sua escola. Ele é o pai da música do século XX.
Gostemos ou não de Wagner precisamos aceitar o que nos parece indisfarçável: Wagner foi o mais influente compositor da segunda metade do século XIX. Sem a sua produção a arte musical posterior a ele teria sido bem diferente do que foi.
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