O ano de 2012 , em termos de música erudita, especialmente no Brasil, foi um ano de altos e baixos, mas felizmente , mais com coisas positivas do que negativas.
Agonia e êxtase
Neste ano de 2012 o Theatro Municipal do Rio de Janeiro teve a pior temporada de toda a sua história. Isto no que se refere aos corpos estáveis da casa, já que o Theatro em si tornou-se uma rentável casa de aluguel. Nem nos anos em que o Theatro esteve fechado para reformas, os corpos estáveis apresentaram tão pouca coisa. O desabamento de um prédio atrás do Theatro em Janeiro foi uma providencial desculpa para uma estagnação nunca antes vista. Em substituição às óperas que não existiram em cena, versões em concerto de obras líricas com a OSB ópera e repertório alcançaram um inusitado êxito. Seu diretor artístico, Fernando Bicudo, como prêmio pelo seu excelente serviço foi demitido. Coisas para se pensar. Ao contrário do Theatro Municipal do Rio, o de São Paulo apresentou a melhor temporada de óperas das últimas décadas no país. Seu diretor artístico, Maestro Abel Rocha, está de parabéns pela acertada escolha do repertório, valorizando sempre os artistas brasileiros. Ressalto a importância da estreia paulista de Pelléas et Mélisande de Debussy. 110 anos depois de sua estreia , em Paris, a ópera foi apresentada na maior cidade do país. Mais coisas para se pensar. Lembro também os acertos na programação da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional de Brasília (Maestro Claudio Cohen) e da Orquestra Sinfônica da Bahia ( Maestro Carlos Prazeres)
OSESP no Proms de Londres
Pela primeira vez uma orquestra brasileira participa do Proms, um dos festivais de musica clássica mais importantes do mundo, festival que recebe com frequência a Filarmônica de Berlim e a Concertgebow de Amsterdã. Um feito memorável que merece ser lembrado.
Quem nos deixou
Quatro mortes no meio musical, merecem nossa atenção. Neste ano de 2012 faleceu o mais importante compositor americano do pós-guerra: Elliot Carter. Morto aos 103 anos de idade Elliot Carter era a antítese do que poderia se esperar de um compositor americano. Sua complexa linguagem não tinha apelo comercial algum, mas mesmo assim, pela enorme qualidade de seu trabalho conquistou o respeito dos maiores músicos do planeta. Morava no mesmo apartamento no Greenwich Village em Nova Iorque desde 1945, e apesar de ter falecido em novembro, compôs suas últimas obras em agosto deste ano. Uma pessoa muito ligada a Elliot Carter também faleceu neste ano: o pianista e musicólogo americano Charles Rosen. Autor de alguns livros de referência no trato das formas clássicas, sua obra prima é sem dúvida The Classical Style (O Estilo clássico), infelizmente nunca traduzido para o português. Há uma obra fantástica de Rosen que foi bem traduzida para nosso idioma: A geração romântica.
Nascido em 1927 Rosen demonstra em seu trabalho que a elocubração teórica, sem um envolvimento com a prática, é algo absolutamente inútil. Seu trabalho de divulgação da obra de Carter o torna um dos pianistas mais comprometidos com a música do nosso tempo.Outra morte importante é do músico hindu Ravi Shankar . Ele nasceu em 1920 e foi o maior divulgador da musica de seu país no ocidente. Virtuose da cítara hindu fez com que músicos tão diferentes como Yehudi Menuhin e John Lennon se interessassem pela sua arte. Por fim 2012 foi o ano da morte de um dos mais importantes cantores do século XX, o alemão Dietrich Fischer-Dieskau, nascido em 1925. Barítono de um repertório excepcionalmente vasto foi, na minha visão, o maior exemplo da excelência artística sem apelos comerciais, tanto que deixou de cantar quando ainda tinha domínio total de sua voz, em 1992. Exemplo até hoje de um excelente intérprete do Lied alemão, cantou muita musica contemporânea. O último papel que estudou foi São Francisco de Assis, da longa ópera de Messiaen. Desde suas primeiras gravações com o grande maestro Wilhem Furtwaengler (tinha 25 anos de idade na época) até seus últimos registros com Daniel Barenboim, a excelência permanece uma constante.
Lançamentos discográficos
Pretendo me ater apenas a lançamentos discográficos que se relacionam ao Brasil. No ano de 2012 a discografia de nosso maior compositor, Heitor Villa-Lobos , se enriqueceu com três lançamentos notáveis. Primeiramente, foi neste ano que se lançou uma integral dos Quartetos de Cordas do compositor em DVD e Blu-ray. O Quarteto Radamés Gnattali do Rio de Janeiro se arriscou, mas acabou colhendo as glórias deste lançamento tão especial. Foi neste ano que foi lançado também o primeiro volume da integral das Sinfonias de Villa-Lobos. Parte tão pouco conhecida da produção do compositor , esta integral, que esta sendo lançada pelo selo Naxos , conta com a participação da OSESP com a excepcional regência de Isaac Karabtchevsky. De Villa-Lobos temos também o excepcional lançamento de sua música coral a cargo do grupo vocal Caliope regido por Julio Moretzsohn. No final do ano o SESC de São Paulo lançou um CD duplo chamado “Sons das Américas”, lançamento este que reputo de uma importância excepcional. Obras de compositores da Argentina, do Canadá, dos Estados Unidos, de Cuba, do Equador, do México do Uruguai e do Brasil, revelam faces nunca antes vistas da produção musical do novo mundo. Em breve tratarei com detalhes aqui no blog deste importante lançamento, que tem o frescor e a criatividade que raramente povoam os meios públicos.
Conclusões
Apesar da música de concerto estar fora dos altos lucros comerciais da musica popular, e apesar de que nem sempre a qualidade acompanha as tentativas de “popularizar” a música clássica (vide o desastre que foi o concerto de Andrea Bocelli em São Paulo) , muita coisa séria vem sendo feita em nosso país. Falta termos um respaldo da nossa formação educacional para que esta boa produção acabe sendo devidamente valorizada.