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Esta frase não é minha e sim do compositor austríaco Arnold Schoenberg (1874-1951). É uma frase retirada de um ensaio escrito em 1946 intitulado: “Nova música, música fora de moda, estilo e ideia”. Este ensaio é mais frequentemente encontrado em Inglês, na coletânea de ensaios do compositor intitulada “Style and Idea”(University of California Press). Não há tradução deste livro para o português e é interessante vermos que o autor utiliza palavras um pouco diferentes do que sugere esta tradução muito usada entre nós: “…if it is art, is not for all, and if it is for all, it is not art.” A tradução mais literal seria: “…se é arte não é para todos, e se é para todos não é arte”. Esta frase irrita, inquieta, mas nos faz pensar. O quanto dela é expressão da verdade? O quanto dela é expressão de intolerância? O quanto dela não é a expressão de alguém que nunca foi reconhecido em vida? O que é realmente importante é que esta frase acabou se tornando decisiva, concordemos ou não com ela!!!

A “arte” como elemento formador numa obra

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Ao invés de rotular de maneira absoluta o que é ou não é arte, prefiro ver o quanto existe ou não de arte numa obra. Na minha maneira de ver um filme como “Gritos e sussurros” de Ingmar Bergman, por exemplo, tem uma porcentagem altíssima de arte nesta equação, enquanto que os últimos sucessos de Michel Teló tem um ingrediente baixíssimo de conteúdo artístico. Algumas pistas. A verdadeira obra de arte nos transforma, tem a capacidade de nos tornar diferente depois do contato com ela. Exemplo bem claro encontramos há muitos séculos, na Grécia antiga. A Tragédia era vista como uma forma de ritual sendo que todos os que iam assistir uma representação de uma tragédia de um dramaturgo como Ésquilo (525/524 a.C./ 456/455 a.C) em seu tempo sabiam o começo o meio e o fim da obra. Então para que iam lá? Iam lá para reviver o mito, pois o mito era capaz de provocar algo dentro da pessoa que lhe esclareceria a respeito de diversos aspectos de sua própria existência. Longe da Grécia antiga, há uns 20 anos, assisti a um espetáculo em que a plateia reagiu de forma extremamente profunda e sensível, o que prova que a arte tem sim esta capacidade até hoje. O espetáculo ao qual me refiro era uma peça de teatro extremamente bem montada, “O livro de jó”. A montagem foi em São Paulo num hospital desativado e no papel principal atuava o genial Matheus Nachtergaele. Somente 50 pessoas eram admitidas por récita. A peça era tão verdadeira, e a atuação do ator continha tal entrega que o resultado não podia ser outro. Na saída da peça o clima era parecido com a saída de um culto, e tenho certeza absoluta que as pessoas não viram aquilo como uma diversão. Elas não aparentavam tal coisa. Tive certeza de que aquilo era arte. Matheus Nachtergaele decididamente era um artista. E aquela não era uma peça de teatro para as massas. Acredito mesmo que o limite de espectadores no espetáculo fomentou ainda mais o cunho “mítico” do mesmo.

A arte servindo nosso dia a dia

A obra de arte pode possuir um leque enorme de leituras. Hoje em dia pedaços de telas de Mondrian adornam embalagens de shampoos, e quadros de Monet funcionam muito frequentemente como papel de presente. Quando pensamos em música a coisa não fica tão distante. O Bolero de Ravel acompanha muitas vezes o “barato” de uma droga, ou de uma ação sexual. Nestes três casos (Mondrian, Monet e Ravel) não tenho dúvida de que estamos falando de consumadas obras de arte, sendo que as mesmas são completamente inocentes do que fizeram delas. Talvez outra pista para vermos se existe mesmo um conteúdo artístico esteja aqui. Se um papel de presente não é mais do que apenas um papel de presente, ele não tem nada de artístico. Mas se há algo no papel de presente que pode ser estudado ou visto com atenção num museu, temos um salutar confisco.

Entretenimento versus Arte

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Aqui chegamos à grande encruzilhada. Será que podemos tornar uma obra de arte num entretenimento? Às vezes acredito que sim. Mas é pouco provável transformar algo pensado apenas como entretenimento numa obra de arte. No entanto existem obras que estão no limite das duas coisas. Um exemplo que me vem à mente é o musical “West side story” de Leonard Bernstein. Pensado para a Broadway, sua qualidade de construção, além de uma belíssima harmonia e de uma riquíssima invenção melódica o tornam, a meu ver, uma obra de arte. O problema é quando o público espera um entretenimento e encontra uma obra de arte própriamente dita. Não adianta: uma sinfonia de Beethoven não é entretenimento, e nada mais irritante do que ouvir o segundo movimento de sua Sétima sinfonia com alguém gargalhando na cadeira ao lado. Esta “seriedade” nos momentos certos leva muita gente a evitar concertos de música de clássica. Serão eles para as massas? Se não os levarmos para as massas estamos nos tornando elitistas. Isto é uma afirmação. Contraditório??? Talvez.

Números que denunciam

Muitas pessoas poderão dizer que certos concertos de música clássica estão lotados, que há filas para comprar ingressos, etc, etc. Mas vamos aos números. Em 2011 a OSESP executou, por exemplo, a Oitava sinfonia de Mahler, e para suas três apresentações houve uma intensa correria por ingressos, pois a obra é raramente executada por aqui, pois exige a participação de algumas centenas de músicos instrumentistas e cantores para sua realização. Em cada uma das três apresentações 2000 pessoas puderam ouvir a magnífica e grandiosa sinfonia. 2000 mil pessoas felizes, e os artistas satisfeitos com a casa cheia. No entanto se numa noite de show de Lady Gaga tiverem 2000 pessoas assistindo, os jornais anunciarão no dia seguinte um fracasso total e completo do referido show. Vale lembrar que um dos últimos shows da cantora no Brasil, com um público de 40000 pessoas, ficou conhecido como “Lady Gaga Fiasco”. Os números estão aí. O que dizia mesmo Schoenberg???

O entretenimento pode levar à arte

Sendo mais flexível do que Schoenberg, reconheço duas coisas: pode existir um entretenimento de altíssima qualidade, e existe a possibilidade do entretenimento nos levar a horizontes mais artísticos. Muitas pessoas, por exemplo, ao verem o maestro Zubin Mehta no programa do Luciano Huck podem ter tido a curiosidade de conhecer um tipo diferente de música, podem ter vontade de estudar um instrumento musical. Se há uma essência de verdade na frase de Schoenberg, não podemos abandonar a luta pela arte pelo pequeno reconhecimento e pelos baixos cachês. Se nossa luta não é pelo dinheiro e nem pela glória desmedida, lutemos pela arte, mesmo que ela não seja para as massas.

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