O ano que está acabando não foi dos mais tranquilos para o país. Crise política, crise econômica, crise ética. Com certeza esta situação acabou permeando a cena musical no país, que assistiu ações inéditas que foram tratadas muitas vezes não em cadernos culturais, mas em páginas policiais (corrupção galopante no Theatro Municipal de São Paulo e bloqueios financeiros na Orquestra Sinfônica Brasileira). Já tratei aqui sobre as crises que abalaram as atividades ligadas à música clássica no país (vide texto aqui), mas o ambiente conturbado não impediu de acontecerem também coisas muito boas. Uma delas foi a montagem da ópera Fosca de Carlos Gomes no Theatro Municipal de São Paulo que contou no soberbo elenco com uma cantora de fama internacional no papel título: Nadja Michael. Há muito tempo Carlos Gomes não era interpretado por alguém do primeiro time internacional do canto lírico. A temporada de 2016 do Theatro Municipal do Rio de Janeiro também é digna de inúmeros elogios. Em meio à mais severa crise financeira do país foram apresentadas óperas e ballets de alto nível. Lamentável que não foi possível evitar o cancelamento das apresentações da ópera Jenufa do theco Leoš Janáček em novembro, que seria apresentada no país pela primeira vez no idioma original. Está prometida para março. A conferir.
2016 – Ano de muitas perdas
Foram muitas mortes de expoentes musicais neste ano. Logo no início de 2016, no dia 5 de janeiro, falecia um dos mais importantes compositores nascidos no século XX, Pierre Boulez. Se a música moderna perdia um ícone, em 5 de março o mundo perdia o homem que redescobriu a sonoridade original da música barroca e que nos ensinou a reouvir a arte musical com mais profundidade, Nikolaus Harnoncourt. Além de Boulez mais dois compositores muito importantes faleceram em 2016: o inglês Sir Peter Maxwell Davies (faleceu em 14 de março) e o finlandês Einojuhani Rautavaara (faleceu em 27 de julho). Alguns instrumentistas excepcionais também nos deixaram: o flautista suíço Aurèle Nicolet (faleceu m 29 de janeiro), o pianista e maestro húngaro Zoltán Kocsis (faleceu em 6 de novembro) e o violoncelista austríaco Heinrich Schiff (faleceu há pouco, dia 23 deste mês). Muito triste também a morte do maestro inglês Sir Neville Marriner (faleceu dia 2 de outubro).
Entre os brasileiros de fama internacional duas perdas irreparáveis: o grande cravista e maestro Nicolau de Figueiredo que faleceu em 6 de julho (tinha apenas 56 anos de idade) e o percussionista Naná Vasconcelos que nos deixou em 9 de março, pouco tempo depois de se apresentar aqui em Curitiba na 34ª Oficina de Música. E por falar em Oficina de Música, a 35ª faleceu antes de nascer. Outra morte lamentável.
A música brasileira em três gravações exemplares
Em 2016 foram realizadas três gravações absolutamente antológicas que ampliam a visão da boa produção musical clássica do país. Inicialmente o fantástico CD “Sonata brasileira” gravado pelo selo americano Odradek mostra o pianista brasileiro Antonio Vaz Lemes executando sonatas de André Mehmari, Camargo Guarnieri, Marcelo Amazonas e Edmundo Villani Cortes. CD que teve enorme repercussão internacional (veja o que escrevi sobre ele aqui) e que colocou a música brasileira em evidencia mundial. Em lançamentos brasileiros destacaria a importantíssima gravação integral de todos os quartetos de Radamés Gnattali pelo quarteto Radamés Gnattali (veja o que escrevi a respeito aqui) e de um belíssimo CD com obras do compositor carioca Ricardo Tacuchian para dois pianos, piano a quatro mãos e piano solo com as pianistas Miriam Grosman e Ingrid Barancoski (o CD se chama Água Forte) , revelando a mais importante produção pianística no país nas últimas décadas. Prometo para breve analisar de forma mais detalhada este CD, que não canso de ouvir.
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