O compositor Francisco Mignone (1897-1986), sem dúvida um dos maiores criadores musicais brasileiros do século XX, não era um admirador irrestrito do violão. Achava que um longo recital do instrumento era maçante, que os ruídos advindos do escorregar dos dedos eram irritantes, e só acabou produzindo obras importantes para o instrumento quando estabeleceu contato com o violonista Antônio Carlos Barbosa-Lima, em 1970. Esta “conversão” do compositor resultou nos “12 Estudos” de 1970 e do “Concerto para violão e orquestra” de 1975. No entanto logo depois dos “12 Estudos” Mignone compôs as “12 Valsas Brasileiras em forma de Estudos”, um ciclo que permaneceu praticamente desconhecido.
Tonalidades estranhas
A proposta do autor esbarrou num problema técnico nesta série de Valsas: Mignone imaginou escrever cada uma das 12 valsas nas 12 escalas menores possíveis (dò menor, dó sustenido menor, ré menor, mi bemol menor, etc). Diferente dos 12 estudos, nos quais Mignone escolheu tonalidades mais apropriadas para as cordas do instrumento (lá menor, ré menor, mi menor, tonalidades sintonizadas com as cordas soltas do instrumento) as “12 valsas brasileiras em forma de Estudos” apresentam desafios consideráveis ao escrever obras para violão em tonalidades insólitas para o instrumento, como mi bemol menor, lá bemol menor ou si bemol menor. Sem dúvida as valsas nestas estranhas tonalidades soam obscuras e talvez por isso essa coletânea ficou esquecida.
Em 2001 o violonista paulista Edelton Gloeden, professor de violão no departamento de música da USP, foi o primeiro a executar a integral destas 12 Valsas e, depois de revisá-las e torna-las exequíveis, realiza a primeira gravação mundial do ciclo. A esmerada técnica e a profunda cultura do instrumentista fazem deste projeto um evento historicamente marcante. Passando por cima dos desafios da concepção de tonalidades de Mignone ele dá soluções absolutamente musicais, e podemos dizer que com sua edição Edelton colaborou para uma importante ampliação do repertório do instrumento.
Valsas nacionalistas
Mignone escreveu ciclos de Valsas para piano (as famosas Valsas de esquina, título sugerido por Mário de Andrade), para Fagote solo (em homenagem ao grande instrumentista francês Noel Devos) e estas originalmente para violão. Escrever valsas de caráter boêmio era algo precioso para os compositores brasileiros de inclinação nacionalista. É sabido que o compositor Camargo Guarnieri (1907-1993), que era considerado o maior professor de composição de seu tempo, valorizava a escrita de valsas, e escrever uma era sempre a primeira tarefa a um novo aluno. A Valsa para Guarnieri e para Mignone, era a própria expressão do folclore urbano, e é este folclore urbano que nos é apresentado neste ciclo recém descoberto de Mignone. Música deliciosa, autenticamente nossa.
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A gravação também está disponível em sites de streaming como o Spotfy, mas o libreto que acompanha o CD é leitura indispensável.
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