Há 20 anos começava uma epopeia
Gravar a obra integral para piano solo de Heitor Villa-Lobos é uma árdua tarefa. São mais de dez horas de música! Já houveram algumas tentativas que acabaram ficando incompletas sendo um lamentável exemplo o da excelente pianista Debora Halasz para o selo BIS, que parou na metade. Coincidentemente as duas únicas pianistas a concluírem este ambicioso projeto para selos internacionais nasceram em Campinas, de famílias de origem judaica, e eram até meio aparentadas. A primeira delas foi Anna Stella Schic (1925-2009), que terminou sua epopeia em Paris em 1980. Ao contrário de Sonia Rubinsky, no entanto, gravou para um selo praticamente desconhecido, Solstice. Naquela época a gravação ocupava mais de dez Lps, e quando a série foi passada para CD lembro que os elogios da crítica especializada foram unânimes, e, como de costume, esta histórica gravação passou desapercebida por aqui. A segunda pianista a concluir este árduo trabalho, como disse, foi Sonia Rubinsky. Há exatos 20 anos ela gravou um CD para o selo NAXOS com obras de Villa-Lobos, gravação esta realizada em Santa Rosa na Califórnia. Pelo que a própria Sonia Rubinsky me contou, este CD não faria parte de nenhuma integral, seria apenas um CD com músicas de Villa-Lobos. Por isso ela escolheu uma obra do primeiro período importante do compositor, a “Prole do bebê” Nº 1, uma obra do segundo período, as “Cirandas”, e uma obra do período final do autor, “Homenagem a Chopin”.
Uma longa espera
Se o CD foi gravado no final de 1994, por problemas administrativos da gravadora, ele só foi lançado no final de 1999, há exatos 15 anos. O sucesso do CD foi tão grande (foi indicado para o Grammy e considerado um dos 5 melhores lançamentos do ano pela revista Gramophone) que a gravadora, a partir dele, resolveu investir numa integral. O segundo volume, gravado em condições técnicas bem melhores no Canada, em abril do ano 2000, incluiu a “Prole do bebê” Nº 2, as “Cirandinhas”, “A Lenda do Caboclo”, “Ondulando” e a “Valsa da dor”. O volume 3 foi gravado no mesmo ano, no mês de setembro, e incluiu a “Suíte Floral”, o “Ciclo Brasileiro”, “Brinquedo de roda”, “Danças Características africanas”, “Tristorosa”, e os “Choros” 1,2, e 5. O quarto volume foi gravado em outubro de 2003, mais uma vez no Canada, e inclui a “Bachianas brasileiras Nº 4”, o “Carnaval das crianças”, “Francette et Piá”, além de pequenas obras como “A fiandeira”, “Simples coletânea”, “Poema Singelo” e “Valsa romântica”. É a partir daí que Sonia Rubinsky percebe que gravar uma integral exaustiva da obra para piano de Villa-Lobos envolveria um esforço que englobava incluir algumas obras que Anna Stella Schic (grande amiga de Sonia Rubinsky) deixara de lado. Por isso em janeiro de 2006, ainda no Canada, ela grava o Volume 5 com 48 peças do “Guia prático”, algumas que Anna Stella não gravou (Anna Stella gravou apenas 21 peças do Guia Prático). Este volume 5 recebeu críticas elogiosíssimas, com destaque para mais uma crítica bem positiva feita pela revista inglesa Gramophone. A gravadora, percebendo o sucesso da série oferece ainda melhores condições para os três últimos volumes. As gravações foram realizadas em Paris, onde a pianista mora atualmente, e um fantástico piano Fazioli, deram condições especiais para a artista. O Volume 6, gravado em março de 2006, que incluiu “Sul américa”, “New York sky line”, “As três marias”, “Saudades das Selvas brasileiras”, também apresenta a mais complexa obra para piano do mestre, o “Rudepoema”, obra que se beneficiou bastante deste excepcional instrumento usado na gravação. Indo além da integral realizada por Anna Stella Schic, este volume 6 realizou duas primeiras gravações mundiais: “Serra da piedade de Belo Horizonte” e “Carnaval de Pierrot” (completada por Amaral Vieira). Em fevereiro de 2007, seguindo os conselhos de Anna Stella Schic, Rubinsky incluiu no Volume 7 os 5 Prelúdios para violão transcritos para piano por José Vieira Brandão. Também aparecem o ballet “Amazonas” e mais algumas primeiras gravações mundiais: “Feijoada sem perigo”, “Cortejo Nupcial”, “Canções de Cordialidade” e “Valsa lenta”. O último volume, o de N° 8, foi gravado em abril de 2007. Neste volume encontramos alguns itens inéditos do “Guia Prático” (39 músicas), “Ibericabe”, “Suíte infantil 1 e 2”, e, em primeira gravação mundial peças escritas como música incidental para o texto teatral “A marquesa de Santos”. Foram mais de 13 anos de um trabalho insano. Villa-Lobos merece !!!
Um trabalho pra lá de elogiável
Sonia Rubinsky, graduada na Juilliard School de Nova York, é uma pianista muito ligada à música contemporânea. Grande intérprete de Almeida Prado (que lhe dedicou a “Cartas Celestes XII”) tocou obras complicadas como “Night Fantasies” de Elliot Carter (1908-2012), que aliás a conheceu e a orientou na execução desta complicada composição. Por causa disso as complexidades, especialmente rítmicas, da obra de Villa-Lobos são tratadas com um tipo de precisão rara entre os pianistas. Exemplo disso encontramos na “Suíte floral” (que apresenta uma polirritmia bem complicada) e sobretudo no “Rudepoema”. Neste aspecto muitos pianistas são um tanto quanto “aproximativos” quando aparecem problemas quase insolúveis. Não é o caso de Sonia Rubinsky. A precisão também nos encanta na “Prole do bebê” Nº 2, uma coleção que inclui as páginas mais ousadas do autor. Outro ponto bem positivo da pianista é que ela executa a “Prole do bebê” Nº 1 do jeito que Villa-Lobos escreveu, sem os acréscimos que Arthur Rubinstein incluiu e que todos os pianistas adotam. Não fosse somente a excelência musical destas gravações, ainda teríamos mais coisas a elogiar. Sonia Rubinsky escolheu 8 obras primas da pintura brasileira como capa dos 8 CDS. Desta forma o mundo todo pôde conhecer pinturas de Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Portinari, Lasar Segall, Cícero Dias, Djanira, Guignard e Ismael Nery. E além disso os comentários musicais estiveram a cargo do Professor James Melo, um musicólogo brasileiro que vive há décadas em Nova York. Cheio de informações precisas e úteis, os textos do professor Melo são de uma altíssima qualidade, e são para mim uma enorme fonte de informações. Mantive, há algumas semanas, uma longa conversa com Sonia Rubinsky, isto via Skype (como disse ela mora atualmente em Paris), e muitas das informações que redigi vieram deste longo diálogo. Foi possível perceber que ela trata este seu trabalho, iniciado há 20 anos, como um ponto muito importante para a divulgação internacional da obra de nosso maior compositor. O selo NAXOS já deixou de ser uma referência internacional, e tem até se tornado um “selo de aluguel”, apesar de manter até agora o excelente projeto da integral da Sinfonias de Villa-Lobos com a OSESP. Creio que Sonia Rubinsky gravou esta integral na hora certa e no lugar certo. Alguns itens permanecem uma referência incontestável, sobretudo o “Rudepoema”, a “Prole do bebê” Nº 2, o ballet “Amazonas”, a “Suíte Floral” e a “Homenagem a Chopin”. Para facilitar a vida dos brasileiros esta coleção de CDS foi lançada aqui pela movieplay, mas consegui-los não é tarefa fácil. Possuir estes 8 CDS em casa é quase uma obrigação para todo músico brasileiro, e, por ter sido feita de forma exaustiva (a própria pianista tem severas críticas a algumas obras menos felizes do autor) funciona como uma indispensável fonte de pesquisas.
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS