Você gosta de Brahms? Ou en francês: Aimez vous Brahms? Este é o título original de um romance da escritora francesa Françoise Sagan (1935-2004), publicado em 1959. Não vou aqui fazer uma apreciação do referido romance, não é minha área, mas quero falar um pouco deste grande compositor, Johannes Brahms (1833-1897). O título do livro, que fala de um amor de uma mulher mais velha por um rapaz bem mais novo, me parece bem apropriado. Afinal de contas Brahms continua suscitando paixões, mesmo que ás vezes esteja meio esquecido. Sei que este texto, que talvez levante poucas polêmicas, não terá um alto número de acessos (diversos textos deste blog tiveram mais de 5.000 acessos, um deles teve mais de 14.0000), mas não abandono o meu lado instigador. Há duas semanas regi um concerto com a Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional de Brasília cujo programa só incluía composições de Brahms e cheguei a algumas conclusões. Para muitos Brahms foi um músico conservador. Para outros tantos existe uma limitação na maneira de compor do grande músico, e procuram autores mais explosivos e muitas vezes mais óbvios. No entanto ao ensaiar a Quarta Sinfonia de Brahms em Brasília pensei comigo mesmo: qual outro compositor foi capaz de associar inspiração, perfeição formal, orquestração primorosa e, sobretudo, beleza? Ao saborear o belo solo de flauta no último movimento desta sinfonia, ou o trecho lento do mesmo movimento liderado pelos trombones cheguei á conclusão de que autores muito festejados nos dias de hoje como Gustav Mahler (1860-1911) e Anton Bruckner (1823-1896), nunca alcançaram os píncaros da realização artística alcançados por Brahms. Não quero dizer que não aprecio a arte destes dois compositores, mas tenho a impressão de que Brahms provou que muitas vezes a maior qualidade se faz com um gesto menor. Nenhuma das longas sinfonias de Mahler ou de Bruckner possui a modesta duração das sinfonias de Brahms, mas o resultado musical destes 40 minutos nos leva ao pensamento de que nem sempre o maior é o melhor. Questão de moda, as orquestras e os maestros quando visam exibir seus dons escolhem partituras que valorizam mais o grandioso do que o profundo, e neste sentido Brahms está meio “fora de moda”.
Brahms conservador?
Que idiotice a frase tão repetida pelos incautos: Brahms foi conservador e Wagner (1813-1883) foi um revolucionário. Na realidade os dois foram ousados e abriram caminhos para a música do século XX. Muito se fala do famoso “acorde de Tristão” ao se falar da enigmática harmonia do início da obra prima de Wagner “Tristão e Isolda”, mas existem exemplos de uma ousadia ainda maior em Brahms que encontramos em obras como a “Rapsódia para contralto coro masculino e orquestra” opus 53 ou no Quinteto para clarinete e quarteto de cordas opus 115. Na própria Quarta sinfonia Brahms se utiliza de melodias modais (o segundo movimento se inicia numa escala inédita no século XIX, a escala chamada “frígia”), e se sua orquestração tem uma aparência de “conservadora”, por não utilizar aquela “metaleira” e aquela percussão de outros autores, ela se utiliza de um procedimento que será praticado com frequência pelos compositores da segunda escola de Viena (Schoenberg, Webern e Berg) 50 anos depois: a “Klangfarbenmelodie”, ou em português, a “melodia de timbres”. Reparei que existem duas páginas no primeiro movimento da Quarta Sinfonia de Brahms que ele se utiliza de uma única melodia que passando de instrumento para outro instrumento, uma “melodia de timbres”, que contém uma modernidade muito maior do que qualquer página orquestral de seus contemporâneos.
Brahms: um resistente
Na época de Brahms o sucesso e o reconhecimento passavam invariavelmente pelo Teatro de ópera. A recusa do compositor em escrever algo no gênero lírico, e seu apego por obras destinadas a pequenos grupos camerísticos mostra uma vontade deliberada do compositor em resistir às modas da época, e a abraçar com fervor a causa da profundidade artística. Ao insistir em escrever trios, quartetos, quintetos, sextetos e sonatas, Brahms acabou enriquecendo o repertório de diversos instrumentos, que foram pouco prestigiados por grandes compositores. O que seria, por exemplo, dos clarinetistas se não existissem as lindíssimas Sonatas de Brahms para este instrumento? O que seria dos trompistas se não existisse o Trio para trompa, violino e piano do compositor alemão? Não há dúvida que o repertório dos violoncelistas e dos violinistas ficaria bem empobrecido sem as belíssimas sonatas escritas pelo mestre para estes instrumentos. E para os amantes da música, não há dúvida, muitos dos mais profundos e belos itens da produção musical deixariam de povoar nosso universo sonoro.
Brahms: o perfeccionista
A autocritica de Brahms fez com que sua produção seja toda ela, de altíssima qualidade. Diferente de grandes compositores que escreveram obras fracas e dispensáveis, como Beethoven (Vitória de Wellington), Wagner (Sinfonia em dó) ou Stravinsky (Odes), não existe uma composição ruim de Brahms. Assim como Bach, e talvez inspirado neste exemplo, tudo o que conhecemos dele é perfeito, mesmo suas obras compostas com poucas pretensões, como suas Danças Húngaras. Brahms em toda sua trajetória de compositor se preocupou em dar sequência à tradição musical alemã. Ele se julgava um continuador da linhagem que vinha de Bach, passava por Mozart, Haydn, Beethoven, Schubert, Mendelssohn e Schumann. Sua preocupação foi eminentemente musical. Nunca, nesta sua aguda autocritica, ele permitiu que um pensamento político ou doutrinário interferisse em seu trabalho musical. Esta retidão do compositor, aliada á beleza de sua música, fazem com que eu responda com facilidade à pergunta de Françoise Sagan. Sim, eu gosto de Brahms. Ou em francês: Oui, j’aime Brahms.
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A marcante execução da Sinfonia Nº 3 em Fá maior opus 90 com o maestro Wilhem Furtwaengler em 1949. Na minha opinião a mais convincente execução de uma sinfonia de Brahms de toda a história