O Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia, convocado pelo papa Francisco em setembro de 2017 e programado para acontecer no Vaticano no próximo mês de outubro, tem gerado muito interesse – ainda mais depois de a região amazônica ter voltado a suscitar atenção mundial nas últimas semanas.
O Sínodo dos Bispos, compreendido em todas as suas fases, é, essencialmente, um espaço de ampla escuta e de discernimento comum. No meu último texto, procurei desfazer alguns mal-entendidos sobre o Sínodo da Amazônia. Agora, a proposta é compreender, passo a passo, como um sínodo se realiza.
O caminho de um sínodo
O caminho de uma assembleia sinodal começa quando o papa torna pública a sua convocação, anunciando o seu tema e a data. Geralmente o papa faz esse tipo de anúncio durante a oração do ângelus – aquele momento tradicional em que ele aparece na janela do Palácio Apostólico, todo domingo ao meio-dia. O tema é escolhido pelo papa com base nas sugestões recebidas e avaliadas pela Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos.
A Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos é uma repartição permanente da Cúria Romana responsável pela coordenação dos processos sinodais. Anunciado o tema de um sínodo, o secretário geral pode constituir uma comissão preparatória formada por especialistas, que colabora na redação do documento preparatório e do instrumentum laboris. O conselho pré-sinodal da assembleia sobre a Amazônia, por exemplo, é formado por 18 pessoas nomeadas pelo papa, 12 das quais atuam na região amazônica.
O primeiro texto que a Secretaria Geral publica são os lineamenta, ou documento preparatório. É um texto que aponta alguns caminhos de reflexão sobre o tema. Dele faz parte um questionário que tem por objetivo recolher as contribuições das comunidades locais, universidades e institutos, ordens e congregações religiosas, conferências episcopais e outras instâncias.
Ao redor do documento preparatório acontece o processo de consulta sinodal nas Igrejas locais, que pode se dar por meio de questionários, assembleias e reuniões pré-sinodais. Para o sínodo de 2019, por exemplo, foram realizados 274 espaços de escuta sobre o tema, a maior parte deles (179) no formato de rodas de conversa com comunidades da Amazônia. Assim, cerca de 22 mil pessoas participaram dessa fase do sínodo, incluindo representantes de 172 dos cerca de 280 povos indígenas da Amazônia que não vivem em isolamento voluntário.
A Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos recebe uma síntese dessas contribuições. As universidades também podem elaborar estudos sobre o tema do sínodo e remetê-los à Secretaria Geral. Para além desses caminhos organizados, qualquer fiel, sozinho ou em grupo, tem o direito de enviar suas contribuições diretamente à Secretaria Geral.
Meses antes do sínodo, o papa nomeia um relator geral, que geralmente é um cardeal. Durante a assembleia, ele coordena a discussão sobre o tema e a elaboração do documento final do sínodo. O papa nomeia ainda secretários especiais, geralmente dois, que assistem o relator geral em suas funções.
A partir da sistematização das contribuições recebidas durante a consulta sinodal, prepara-se o instrumentum laboris, ou documento de trabalho. Esse texto está longe de ser um documento final: ele é, na verdade, um ponto de partida. É a pauta da assembleia sinodal em si. Em suma, é um texto que serve justamente para ser discutido – claro, com o respeito que vem da consciência de que existe a contribuição de muitas pessoas por trás daquelas linhas.
Quem preside a assembleia sinodal é o papa. Francisco, porém, prefere ficar em silêncio durante todo o sínodo e só falar na abertura e no encerramento. Quem exerce a presidência em seu nome são os presidentes delegados que ele nomeia alguns meses ou semanas antes do sínodo. São geralmente quatro, todos cardeais.
Mais perto do sínodo, a Santa Sé apresenta a relação geral de participantes da assembleia. Participam do sínodo como membros de pleno direito bispos eleitos por suas conferências episcopais ou nomeados diretamente pelo papa. Eles são chamados de padres sinodais.
Além dos padres sinodais, são convidados ao sínodo peritos, isto é, acadêmicos especialistas no tema; auditores, que são pessoas ligadas ao tema do sínodo (no sínodo sobre as famílias, a maioria dos auditores eram casais de esposos, por exemplo – entrevistei o casal brasileiro de auditores dois anos atrás); delegados fraternos, ou seja, representantes de outras Igrejas cristãs; e convidados especiais. Essas categorias não têm direito a votar os parágrafos que farão parte do documento final: apenas os padres sinodais fazem isso.
Na última assembleia sinodal, em 2018, participaram 267 padres sinodais. Desses, apenas 20 não eram bispos, mas padres: dez deles eleitos pela União dos Superiores Gerais e dez nomeados pelo papa. Dos outros 247, cinquenta eram cardeais. Fora os padres sinodais, participaram 23 peritos, 36 auditores (nessa ocasião, jovens entre 18 e 29 anos, já que o sínodo era sobre os jovens), cinco delegados fraternos e um convidado especial.
Sendo uma assembleia especial, isto é, que aborda uma região específica, o Sínodo da Amazônia deve ter um número menor de participantes. Já é certo que participarão todos os bispos da região amazônica, os presidentes das sete conferências episcopais que têm relação com o território e os membros do conselho pré-sinodal. A União dos Superiores Gerais elegerá 15 religiosos que atuam na Amazônia. O papa pode nomear outros padres sinodais, desde que não passem de 15% do total. Como auditores, devem participar leigos e leigas da região amazônica.
A celebração da assembleia sinodal é o ponto alto do caminho de um sínodo. A assembleia costuma durar de duas a três semanas e reúne os bispos nomeados e eleitos para participar do sínodo, além de peritos, auditores, delegados fraternos e outros convidados.
Todos eles têm direito a uma fala no plenário (no sínodo de 2016, o limite era de 3 minutos por pessoa; no de 2018, de 4) e todos participam dos círculos menores – grupos de trabalho geralmente organizados por idiomas. São esses dois espaços, o da sessão plenária e o dos círculos menores, que estruturam a dinâmica do sínodo.
Os últimos dias da assembleia são dedicados à votação do documento final. Apenas os padres sinodais (os bispos e alguns poucos presbíteros) têm direito a voto.
O documento final do sínodo é elaborado por uma comissão presidida pelo relator geral da assembleia. O texto recolhe os tópicos resultantes das contribuições realizadas durante as sessões plenárias e os círculos menores e aprovados pelos padres sinodais. Se o papa, recebendo o documento, decidir publicá-lo com sua expressa aprovação, o texto é tido como parte do magistério pontifício. O papa pode ainda conceder à assembleia poder deliberativo, caso em que a sua assinatura constará do documento junto com a dos demais padres sinodais. Na maioria das vezes, porém, o sínodo é um órgão consultivo.
A Secretaria Geral tem a tarefa de colaborar na implementação das orientações resultantes do sínodo. Para isso, ela pode publicar documentos de aplicação e formar uma comissão para a implementação, constituída por especialistas no tema.
Alguns meses depois da assembleia sinodal, o papa costuma publicar uma exortação apostólica pós-sinodal. Esse documento pontifício será o ponto de referência para os católicos a respeito do assunto tratado no sínodo. Os últimos documentos desse tipo são as exortações Christus vivit (2019), sobre a juventude, e Amoris laetitia (2016), sobre o casamento e a família. Em relação às assembleias especiais do Sínodo dos Bispos, que são aquelas que se detêm sobre um território específico, as últimas exortações são Ecclesia in Medio Oriente (2012), sobre a Igreja no Oriente Médio, e Africae munus (2011), sobre a Igreja na África, ambas de Bento XVI.
*Agradeço a Thomas Dowd, bispo auxiliar de Montreal, que permitiu nesse texto o uso de fotos que ele tirou durante o sínodo de 2018, do qual participou como padre sinodal. Ele registrou a sua participação no sínodo em forma de diário em um blog.
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