A pauta do ministro Paulo Guedes é bem outra. Mas a agenda econômica que prevalece nos últimos tempos é a do presidente Jair Bolsonaro. E este tem sido guiado pelas demandas de duas categorias profissionais: caminhoneiros e policiais.
A revolta de transportadores contra os reajustes do diesel levou Bolsonaro a pedir a cabeça do presidente da Petrobras. Roberto Castello Branco foi escorraçado por cumprir a política de preços prevista no programa de governo do capitão reformado, alinhada aos ideais de livre concorrência do ministro da Economia.
Bolsonaro também mandou zerar os tributos federais do diesel. A situação das contas públicas e a obsessão fiscalista de Paulo Guedes são conhecidas. Mesmo assim, sua equipe teve de correr para tapar o buraco aberto pelo presidente. A solução encontrada foi cobrar mais impostos sobre os bancos – e você sabe para quem eles vão repassar a conta.
Nesta semana, sensível a ameaças de profissionais da segurança pública que o acusam de traição, o presidente manobrou para que eles fossem poupados dos "gatilhos" de ajuste fiscal da PEC Emergencial. E a proposta, que já estava desfigurada após todo tipo de concessão, passou a permitir promoções mesmo em tempos de calamidade – e não só para os policiais, mas para todos os servidores públicos.
Bolsonaro, vale lembrar, já havia feito o possível para proteger policiais e Forças Armadas na reforma das aposentadorias. Talvez ressentido porque um ou outro o chamava de traidor, chamou de "equívoco" a legislação proposta pelo ministro da Economia – que era conhecida havia meses, ao menos de quem tivesse um mínimo de interesse por contas públicas e Previdência, prioridades de Guedes no primeiro ano de mandato.
No fim, policiais e Forças Armadas conseguiram regras mais brandas que as aplicadas aos demais trabalhadores. Os militares da Defesa continuam passando à inatividade sem exigência de idade mínima, e ainda ganharam aumento no soldo e em outros benefícios exclusivos.
Caminhoneiros e forças de segurança prestam serviços imprescindíveis. A questão é: devemos subordinar contas e políticas públicas às exigências de uma ou duas categorias profissionais?
Não surpreende o pouco caso de Bolsonaro com questões como austeridade fiscal, regras que valham para todos e medidas típicas do receituário liberal – para citar um exemplo, em 26 meses de mandato ele privatizou zero de 46 estatais federais de controle direto.
Bolsonaro foi deputado de vocação estatizante, corporativista e populista em seus sete mandatos. A suposta conversão ao liberalismo, sob medida para se contrapor à política econômica do petismo, sempre foi digna de desconfiança.
Os acenos que fez em campanha eleitoral eram, por si mesmos, contraditórios. Como conciliar a defesa do livre mercado com a promessa de mundos e fundos para caminhoneiros que pararam o país exigindo tabelamento de preços? Como conciliar a defesa de ajuste fiscal e reforma do serviço público com a promessa de proteger corporações que sempre estiveram em sua base eleitoral?
Sim, vez ou outra o presidente faz acenos a Guedes e ao pessoal das finanças. Faz parte do jogo. Mas, a esta altura, fica claro quem é o verdadeiro Bolsonaro. Aquele que, incomodado com a reação a suas omissões ou excessos, vem a público pedir mais patriotismo ao mercado – um mercado em que estrangeiros respondem por metade dos negócios da Bolsa.
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