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Enquanto analisa o pacote fiscal do governo, que na melhor hipótese desacelera um pouco o crescimento dos gastos públicos, o Congresso avança com um projeto que vai piorar as contas aí da sua casa. Mais especificamente, a conta de luz.
A ideia é que o consumidor banque um conjunto de benesses para lobbies do setor elétrico. Enquanto eles são favorecidos por reservas de mercado e subsídios, você dá um jeito de suportar um aumento de 7,5% na sua fatura de energia – quase uma 13.ª conta de luz no ano.
O projeto foi aprovado na manhã desta terça-feira (10) na Comissão de Infraestrutura do Senado, e está na pauta do plenário de quarta (11). Parece haver pressa em aprová-lo.
Enquanto isso, anda quieto o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que em meados do ano chamou a proposta de "monstrengo". A ponto de a Frente Nacional dos Consumidores de Energia ter cobrado engajamento, dele e do ministério, contra as medidas que oneram a população.
O projeto em questão, vale dizer, não nasceu "monstrengo". O objetivo do PL 576/2021 era criar um marco legal para permitir a produção de energia eólica em alto-mar, também chamada de "offshore".
Mas, na passagem pela Câmara dos Deputados, aconteceu o que acontece com quase todo projeto que disponha sobre o setor elétrico: ele ganhou "jabutis". Emendas sem conexão com o tema original (as eólicas offshore), ainda que relacionadas à geração de energia.
Além de sugestões feitas por colegas na tramitação, o relator na Câmara, deputado Zé Vitor (PL-MG), disse ter acolhido mais de 170 projetos que tratavam de temas ligados à energia. O texto passou fácil: 403 votos a favor, com apoio massivo do PT e da base governista, e 16 contrários.
Vários dos acréscimos são "jabutis zumbis". Eles aparecem num projeto, em algum momento são derrubados pelo próprio Congresso ou então vetados pelo presidente da República, e depois reaparecem em outra proposta, e mais outra, até quem sabe virarem lei.
O que eles têm em comum é o favorecimento a determinadas fontes de energia. Ora concedem descontos na tarifa de uso do sistema, ora obrigam o país a contratar aquela geração, não importa o preço, se é ou não necessária, se é a opção apropriada. As intenções são sempre nobres: desenvolver uma região carente, ajudar o meio ambiente, salvar uma região carvoeira, coisas assim.
Meses atrás mencionei neste espaço uma regra não escrita do setor elétrico: todo contratempo do sistema ou das empresas deve ser ressarcido pelo consumidor. É ele quem assume o risco se falta chuva, se chove demais, se o consumo está alto, se está abaixo do previsto e assim por diante. Pois bem, é preciso acrescentar que, nesse ramo, toda cortesia é feita com o chapéu do consumidor.
Hoje quase 14% da conta de luz serve para cobrir subsídios bem-intencionados. Incluindo impostos e outros encargos do setor elétrico, lá se vai quase metade da fatura.
E ela vai ficar mais cara se o Senado aprovar o PL 576 como está. Segundo cálculo divulgado pela Frente dos Consumidores, os penduricalhos do projeto criam uma despesa de R$ 17,5 bilhões por ano, que levaria ao reajuste de 7,5% citado no início deste texto.
Já foi pior: a soma esteve em R$ 25 bilhões por ano, o que significaria aumento de 11% na conta de luz. Mas o relator no Senado, Weverton Rocha (PDT/MA), retirou do texto prorrogações de prazo para alguns geradores entrarem em operação com subsídios.
O senador manteve, porém, a maioria dos agrados. Tem contratação compulsória de energia de térmicas a gás, de pequenas hidrelétricas, de usinas eólicas no Sul e de uma usina de hidrogênio. Prorrogação na contratação de termelétricas a carvão. Extensão de contratos de fontes alternativas sem redução de preços.
O país não precisa da energia extra que parlamentares querem obrigá-lo a contratar. Ao contrário: a perspectiva é de sobra de oferta. Além disso, a ferramenta mais adequada para garantir o abastecimento no futuro são leilões que privilegiem menor custo e maior eficiência, e não imposições legais.
O líder interino do governo no Senado, Otto Alencar (PSD-BA), até quis suprimir os jabutis por meio de uma emenda supressiva. Não funcionou: a tentativa foi derrotada por 14 votos a 3 em votação nesta terça na Comissão de Infraestrutura. E o texto do relator Weverton Rocha foi aprovado em votação simbólica.
Dado o custo envolvido, chama atenção o pouco empenho e a falta de manifestações públicas do Planalto e do Ministério de Minas e Energia frente à iminente aprovação do "monstrengo". Ainda mais quando lembramos das reiteradas promessas de redução da conta de luz feitas em outros tempos pelo presidente Lula e o ministro Silveira.
O risco é que, mais adiante, eles inventem um jeito de consertar o estrago que não buscam evitar agora. Tal como a constrangedora iniciativa de meses atrás, quando armaram uma operação bilionária no mercado financeiro para antecipar recebíveis da Eletrobras. A promessa era de baixar a conta em pelo menos 3,5%. O resultado foi uma redução de 0,02%.
A conclusão da Aneel, agência reguladora do setor, nem surpreende: "O protagonista do setor elétrico – o consumidor – foi utilizado como justificativa para uma operação financeira da qual não foi o maior beneficiário, enquanto os bancos se posicionaram como principais ganhadores”.
O texto foi atualizado para incluir o resultado da votação na Comissão de Infraestrura do Senado, onde o PL das eólicas offshore foi aprovado conforme a versão apresentada pelo relator Weverton Rocha (PDT/MA).
Atualizado em 10/12/2024 às 11:34