O crédito consignado e as pedaladas fiscais estão entre as grandes invenções do PT em suas gestões no governo federal*. Pois Fernando Pimentel, governador de Minas Gerais, conseguiu unir as duas.
Resumidamente, o governo mineiro – hoje o mais importante do partido – descontou quase R$ 1 bilhão dos salários de funcionários e, em vez de entregar o dinheiro aos bancos públicos e privados que concederam os empréstimos consignados, preferiu usá-lo para tapar buracos do orçamento.
Uma espécie de “Pedalada 2.0”, agora com o requinte da apropriação de grana do funcionalismo. A gestão Pimentel só quitou a fatura dias atrás, quando o estrago na vida dos servidores já estava feito.
No crédito consignado, você sabe, as parcelas do empréstimo são descontadas diretamente do contracheque do trabalhador ou aposentado. Cabe ao empregador ou ao INSS, conforme o caso, repassar o dinheiro à instituição financeira.
A modalidade foi criada em 2003, no começo do governo Lula. É bom negócio para o banco, porque a chance de calote diminui muito, e para o cliente, que desfruta de um crédito bem mais barato**.
Não por acaso, o consignado colaborou para a forte expansão do crédito ocorrida entre 2004 e 2015. Ele responde, hoje, por 37% de toda a carteira de empréstimos com recursos livres*** para pessoas físicas.
O governo de Minas Gerais, no entanto, desvirtuou o processo. Como não repassou aos bancos os valores que pegou dos servidores, essas pessoas acabaram inscritas em SPCs e Serasas da vida.
Estranhando o alto número de ações em que funcionários públicos pediam a exclusão de seus nomes desses cadastros, um magistrado mineiro pediu um levantamento à Febraban. Descobriu que o estado de Minas deixou de repassar às instituições financeiras pouco mais de R$ 924 milhões referentes a empréstimos consignados. Quem revelou a história foi o jornal “O Tempo”.
“Não se trata de mera infração administrativa promovida pelas autoridades competentes, mas, sim, de verdadeira conduta ilícita penal, que deverá ser prontamente investigada”, escreveu o desembargador Luiz Artur Hilário. Ele acionou as procuradorias gerais da República e da Justiça para apurar se o governador e seu secretário da Fazenda cometeram crime.
Entrevistado pela “Folha de S.Paulo”, o advogado-geral do estado disse que o governo já fechou o acordo com os bancos e que os servidores não estão mais negativados. Por isso, alega, a causa perdeu objeto. A conferir.
Pedaladas em série
Esse negócio de atrasar pagamentos devidos a bancos, você lembra, ganhou o apelido de “pedalada fiscal” no governo de Dilma Rousseff, que segurava repasses para camuflar a situação das contas públicas. Foi prática corriqueira até que, no último dia útil de 2015, sob pressão do Tribunal de Contas da União, o Tesouro desembolsou R$ 72 bilhões para quitar os débitos de uma só vez. Quase 77% desse total era referente a pendências de anos anteriores.
O governo de Minas não pedalou só o consignado. Também está atrasando os repasses constitucionais a prefeituras, a quem deve R$ 8 bilhões, dinheiro que deveria estar custeando saúde, educação e transporte escolar nos municípios. Deposita salários em prestações desde 2016, e mesmo essas parcelas têm sido pagas com atraso.
Fernando Pimentel não é o único responsável pelo descalabro financeiro em Minas, que é esforço coletivo, construção paulatina de várias gestões, incluindo as do rival PSDB. E Minas não é o único estado em apuros. Entre as semelhanças que guarda com outros grandes encrencados, como o Rio de Janeiro, está o gasto elevado com a aposentadoria de servidores, que consome uma fatia crescente do orçamento público. Em Minas, metade do gasto com pessoal é para pagar os inativos, fração inferior apenas à do recordista Rio Grande do Sul, onde aposentadorias consomem quase 60% da despesa com o funcionalismo.
O caos que vemos em estados e municípios só não chegou à União porque o governo federal pode imprimir dinheiro e se financiar com a emissão de títulos públicos. Assim, se dá ao luxo de completar meia década de déficit primário e prever mais alguns anos de saldo negativo pela frente. O que ninguém sabe é até quando haverá gente disposta a financiar um devedor tão perdulário.
Mas, se não é o único culpado pela catástrofe das contas públicas de Minas e do país, o PT de Pimentel também não parece fazer parte da solução. Refuta reformas na estrutura do Estado, do funcionalismo e das aposentadorias. E sustenta que tudo pode ser resolvido com mais recursos do contribuinte, como se vê no plano de governo que Fernando Haddad entregou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Nessa toada, faz de conta que protege os servidores, mas, como se vê em Minas, em algum momento eles próprios acabam sendo vítimas da irresponsabilidade.
*O PT argumenta que as pedaladas fiscais – a prática de atrasar repasses devidos a bancos públicos, para manter mais dinheiro em caixa e melhorar o resultado fiscal – também ocorreram em governos anteriores. No de Fernando Henrique Cardoso, por exemplo. Ocorre que foi na gestão Dilma que o “fenômeno” ganhou escala digna de nota. Nela, a frequência e a duração dos atrasos, bem como os valores envolvidos, foram incomparavelmente maiores. É mais ou menos o que o próprio PT diz sobre o Bolsa Família, inspirado no tucano Bolsa Escola: o programa, que alcançava uma fração minúscula da população nos tempos de PSDB, só ganhou relevância depois de ser ampliado pelo então presidente Lula.
**Enquanto o crédito pessoal não consignado tem juros médios de 6,73% ao mês, no consignado a taxa é de 1,87%, em média, segundo dados do Banco Central referentes a julho (1,75% para servidor público, 1,91% para aposentado do INSS e 2,79% para empregado do setor privado). O mau uso do consignado, no entanto, pode resultar em superendividamento. Muitos aposentados, usados por familiares para fazer esse tipo de empréstimo, acabaram com os nomes incluídos em serviços de proteção ao crédito.
***Dinheiro que pode ser emprestado livremente pelo banco.
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