Tempos atrás, o ministro Paulo Guedes apelidou de "meteoro" o forte aumento dos gastos com precatórios – as dívidas que a Justiça manda o governo pagar. Dizia que o tal meteoro poderia "atingir a Terra", e que teria de "disparar um míssil" para detoná-lo.
Nos últimos dias, um outro meteoro capaz de causar grande dano às contas públicas voltou a assombrar o titular da Economia. Esse não vem do Judiciário, e sim do Palácio do Planalto, e atende pelo nome de Jair Bolsonaro.
(Meteoro, na verdade, é aquilo que chamamos de "estrela cadente", isto é, o rastro luminoso deixado no céu por um detrito cósmico que se incendeia ao entrar na atmosfera. O que de fato costuma atingir a Terra são os meteoritos, fragmentos de pequenos corpos celestes que se desintegraram em sua entrada na atmosfera terrestre. Ou então os asteroides, grandes corpos rochosos como aquele que matou os dinossauros. Mas, em benefício do ministro da Economia, deixemos de lado as definições precisas, porque meteoro é o termo consagrado pelo povo, como prova a expressão "vem, meteoro", usada por muita gente em momentos de grande aflição, comuns nos últimos anos.)
Pouco antes de reaparecer o meteoro Bolsonaro, Guedes julgava ter resolvido a questão do meteoro das dívidas judiciais. Sua equipe construiu um míssil chamado PEC dos precatórios, que permite ao governo pagar só parte das dívidas que deveria quitar a cada ano. Há quem classifique de violação do teto de gastos e mesmo de calote, mas Guedes discorda: "Devo, não nego. Pagarei assim que puder”, explicou.
Ao pagar apenas parte dos precatórios, o governo teria espaço para outros gastos, em especial a ampliação do Auxílio Brasil. Até há pouco, Guedes e o ministro da Cidadania, João Roma, falavam em um benefício médio de R$ 300 para 17 milhões de famílias, que custaria pouco mais de R$ 61 bilhões ao ano – bem mais que os R$ 34,7 bilhões que o Executivo propôs no Orçamento de 2022. "Precisa ter muito cuidado e muito zelo na responsabilidade no quesito fiscal", disse Roma no domingo (17).
Essa PEC causou bastante tumulto, mas parecia mais ou menos digerida. Executivo e Congresso até fecharam acordo para aprová-la.
Só que aí veio o meteoro Bolsonaro. Sempre que a equipe econômica julga ter encaminhado uma questão fiscal, o presidente proíbe a solução ou então cria outro problema.
Acontece muito com o substituto do Bolsa Família, que é discutido desde o início da pandemia. À medida que as engenharias financeiras de Guedes fracassavam, o programa foi mudando de nome: nasceu Renda Brasil, virou Renda Cidadã e agora é Auxílio Brasil.
Tanto tempo depois, o que ele tem de certo é um orçamento quase igual ao do Bolsa Família – que hoje paga em média R$ 190 a 14,7 milhões de famílias – e regras que, segundo simulações do próprio governo, vão reduzir ou congelar o benefício de mais de 5 milhões de famílias. Enquanto isso, mais de 2 milhões de famílias pobres ou miseráveis o suficiente para receber o Bolsa Família continuam na fila de espera do programa porque, segundo o governo, não há dinheiro.
Nos discursos de Bolsonaro, a fila e a fome aparecem menos que o diesel e a gasolina. Mas volta e meia o presidente é tomado por sensibilidade social (maldosos diriam "eleitoral") e volta a exigir mais para os pobres.
Foi assim nesta semana, ao determinar que o Auxílio Brasil será de R$ 400 por mês, em média – e não os R$ 300 que os ministérios da Economia e da Cidadania trabalhavam há meses para viabilizar.
Faz tempo que Bolsonaro fala coisas como "no mínimo R$ 300, mas vamos tentar R$ 400". E não é de hoje que o ministro Guedes assegura ter "travado" o novo programa em R$ 300. Um finge que manda, outro finge que obedece e cada um continua repetindo o de sempre – até que a situação explode, como um meteoro.
Curiosamente, a solução – vamos chamar assim – para a demanda do presidente pode vir da própria PEC dos precatórios. Para garantir o auxílio de R$ 400, o governo pensa em amarrar nela outras gambiarras, que abririam espaço para um Auxílio Brasil mais gordo.
A ideia é mudar a Constituição para permitir que parte do auxílio – um benefício de R$ 100 por mês, que é justamente a diferença entre os R$ 300 de Guedes e os R$ 400 de Bolsonaro – seja paga fora do teto de gastos, financiada por endividamento público. Esse extra seria temporário, a ser pago apenas até o fim de 2022, também conhecido como ano da eleição.
A notícia caiu como um asteroide no mercado financeiro. Guedes também teria ficado muito aborrecido com a violação do teto, auxiliares seus estariam prontos para entregar os cargos. Mas, como das outras vezes, o ministro – outrora tido como austero, liberal, uma estrela da Esplanada – segue no governo, improvisando como pode até o próximo meteoro.
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