O ministro da Economia, Paulo Guedes, é inteligente e articulado. É doutor em Economia pela Universidade de Chicago, grande referência do liberalismo econômico. Construiu patrimônio em uma longa e bem-sucedida carreira como banqueiro e gestor de investimentos. Ganhou muito dinheiro para os outros e algum para si.
Muitos anos atrás, bem antes de assumir o Ministério da Economia, ele decidiu depositar parte do fruto de seu trabalho – cerca de US$ 9,5 milhões – na conta de uma "offshore", uma sociedade que mantém com a esposa e a filha nas Ilhas Virgens Britânicas. A existência dessa empresa foi revelada no domingo (3) pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês).
As Ilhas Virgens são o que se chama de paraíso fiscal. Se você é dono de uma offshore por lá, não paga imposto sobre a renda ou ganhos de capital, nem sobre herança e doações – o que é excelente para fazer a sucessão familiar, por exemplo. Os investimentos que faz por meio dessa empresa não são tributados. Você só paga imposto – e aqui no Brasil – quando há distribuição de lucros ou quando traz o dinheiro para cá.
Lugares como as Ilhas Virgens protegem o sigilo fiscal a todo custo. Não costumam sofrer com instabilidade política e econômica. As normas tributárias não mudam o tempo todo. Não há limitação repentina a saques ou transferências, nem confisco de aplicações. E o dinheiro investido não sofre desvalorização abrupta por declarações ou atos do governante, nem tampouco por conflitos dele com o Legislativo ou o Judiciário.
Não é ilegal ter uma offshore. Basta comunicar autoridades como Banco Central e Receita Federal, o que Guedes fez. Ao assumir o Ministério da Economia, ele também repassou dados e documentos à Comissão de Ética Pública da Presidência da República, que avaliou o caso e o deu por encerrado depois de o ministro informar que "adotaria medidas para mitigar ou prevenir a ocorrência de conflitos de interesses". Na terça (5), seus advogados asseguraram que não houve qualquer movimentação de dinheiro na offshore desde que Guedes ocupa o cargo, e que ao entrar no governo ele se afastou da gestão da companhia, "não tendo qualquer participação ou interferência nas decisões de investimento".
Apesar de todos os esclarecimentos, porém, perduram aqui e ali as críticas à conduta de Guedes. Fala-se que o que ele faz à frente do Ministério da Economia pode influenciar o tamanho do patrimônio (convertido para reais) que mantém nas Ilhas Virgens. Que, no comando do Conselho Monetário Nacional (CMN), mudou as regras para declaração de ativos no exterior. Que, em acordo com o Legislativo, aceitou retirar da reforma do Imposto de Renda a tributação de recursos em paraísos fiscais – taxação essa que seu próprio ministério havia proposto.
Tudo isso é discutível – e, pelo que se vê, será mesmo alvo de discussões no Congresso, na Procuradoria-Geral da República, no Tribunal de Contas da União.
O que parece fora de questão é a motivação do ministro para manter seu patrimônio num paraíso fiscal.
Paulo Guedes é inteligente, é articulado, é doutor em Economia. Ganhou a vida fazendo bons investimentos. Por que deixaria seu dinheiro no Brasil?
Nosso país, sabemos, está longe da estabilidade política e econômica. A moeda pode perder boa parte do valor de uma hora para outra, ao sabor do que é dito e decidido no Palácio do Planalto, no Congresso Nacional, no Supremo Tribunal Federal ou mesmo em algum prédio da Esplanada dos Ministérios. As regras mudam o tempo todo. E depois que mudam, por obra do Executivo ou do Legislativo, podem ser novamente alteradas pelo Judiciário dali a dias, meses ou décadas, a depender da ocasião e da composição de momento dos tribunais.
E os tributos? Nosso país é um inferno fiscal. Não só pelo tamanho dos impostos, mas pela tarefa excruciante de entendê-los e declará-los corretamente. Nos 33 anos desde a Constituição de 1988, foram editadas 443.236 normas tributárias pela União, estados e municípios – uma média de 37 por dia, segundo estudo recém-publicado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT). E só 7% delas ainda estavam em vigor no fim de setembro, o que dá uma ideia da intensa rotatividade da legislação.
A fábrica de regras continua em pleno funcionamento. Várias propostas de reforma tributária tramitam simultaneamente no Congresso, cheias de idas e vindas, ora enterradas ora desenterradas, de forma que é impossível ter ideia do que entrará em vigor quando e se uma ou mais delas forem aprovadas.
O objetivo primeiro de todas elas, insistem seus autores, é simplificar a legislação. Estranho é como tentam chegar a isso. A reforma do Imposto de Renda, por exemplo, pretende acabar com a declaração simplificada para as pessoas que ganhem mais de R$ 40 mil por ano.
Sim: a ideia é simplificar a legislação acabando com a declaração simplificada. O efeito prático é que vão pagar mais Imposto de Renda todos os assalariados de boa vida que ganham acima de R$ 3,3 mil por mês e não têm dependentes nem bancam saúde ou escola particular.
É verdade que essa e outras mudanças foram propostas pelo Ministério da Economia e são defendidas com vigor pelo ministro responsável. Mas deixemos isso de lado.
Paulo Guedes é inteligente, articulado, doutor, sabe investir, ocupa o cargo mais importante da economia brasileira e tem autoridade sobre a Receita Federal, principal cobradora de impostos da República. Se ele opta por manter quase US$ 10 milhões bem longe deste país, errado deve estar quem deixa seu dinheiro aqui.
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