Qual a situação da economia do Brasil? Economistas locais, estrangeiros e a população têm visões distintas.| Foto: Matt Noble/Unsplash
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Qual é o melhor ponto de vista para entender a situação da economia do Brasil?

Quem vê de perto pode enxergar os detalhes, mas perder a noção do todo. Quem vê de longe tem mais condições de divisar o cenário, mas talvez não perceba as nuances.

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De perto, muitos analistas brasileiros destacam o rombo das contas públicas, os malabarismos do governo para cumprir as metas fiscais e o indisfarçável aumento da dívida pública.

Outros preferem ressaltar que, na "economia real", os indicadores oficiais mostram contínua alta do PIB, do emprego e dos salários. A população, ainda assim, não parece tão contente.

De longe, uma das principais agências de rating do mundo decidiu melhorar a nota de crédito do Brasil, deixando o país a um nível do grau de investimento – um carimbo de bom pagador que ajuda a atrair dinheiro.

A decisão da Moody's foi anunciada em texto assinado de Nova York na última terça-feira (1.º), oito dias depois de um encontro com o presidente Lula e o ministro Fernando Haddad. Os dois também conversaram com gente da S&P e da Fitch, outras duas grandes empresas do ramo.

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"Para que elas saibam da boca do presidente da República o que está acontecendo", explicou Lula. "Não precisa ouvir só a Faria Lima, não precisa ouvir só os empresários. Ouçam os trabalhadores e o presidente da República", acrescentou.

O papel dessas agências é avaliar o risco de emprestar dinheiro a empresas e países. Muitos gestores só podem comprar títulos e ações com o tal investment grade, pois em tese o selo confere segurança à aplicação. Ao mesmo tempo, quem é classificado como devedor confiável consegue se financiar com mais prazo e menos juros.

Para definir o score de crédito de um país, a Moody's e suas concorrentes analisam, entre outras coisas, o estado das contas públicas. É por isso que tantos estranharam a ambição de Lula de reconquistar o grau de investimento e viram graça na tentativa de convencer as agências no gogó. Com as finanças federais do jeito que estão, quem o levaria a sério?

A Moody's levou. E causou perplexidade.

Não que ela ignore a questão fiscal. Seu relatório ressalta que o avanço dos gastos pesa na credibilidade da política fiscal e impõe "riscos persistentes para alcançar as metas", o que eleva juros e mantém nas alturas o déficit nominal.

Porém, a agência diz esperar que "esforços do governo para aumentar as receitas" e "medidas iniciais para cortar gastos" guiem as contas para o alvo e colaborem para estabilizar a dívida em 82% do PIB no médio prazo. Hoje o setor público deve o equivalente a 78,6% do PIB, após um salto de quase 7 pontos nos primeiros 20 meses da gestão Lula, algo só visto na pandemia e no segundo mandato de Dilma Rousseff.

Mas a principal justificativa da Moody's para subir a nota não está na gestão das contas públicas, e sim na atividade econômica. O texto destaca que o PIB cresceu mais que o esperado nos últimos anos e atribui parte do fenômeno às reformas estruturais, incluindo aquelas muito criticadas por Lula e PT, como a nova legislação trabalhista, a independência do Banco Central e as normas de governança de empresas estatais.

A agência nota que em 2024 o avanço está mais disseminado, incluindo a indústria e os investimentos, o que a seu ver contribuirá para manter um crescimento "robusto". Para os próximos anos, ela projeta uma demanda "impulsionada por um mercado de trabalho relativamente forte – em comparação ao passado do Brasil – e salários reais mais altos".

O raciocínio, em suma, é de que o "Pibão" vai segurar a relação dívida/PIB.

Críticos notaram uma omissão. Parte da expansão econômica, observam, é movida a gastos do governo – e, portanto, insustentável, de forma que tanto o PIB quanto as contas federais podem levar um baque adiante. Não faltou quem lembrasse os erros grotescos cometidos pelas agências de risco quando avalizaram os títulos podres que implodiram as finanças do mundo entre 2008 e 2009.

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Mas e as concorrentes da Moody's? Também estão otimistas?

A Fitch soltou nota bastante crítica três dias após o encontro com Lula e Haddad, avisando já no título que "o desempenho econômico do Brasil não alivia a incerteza fiscal". O texto aponta que grandes gastos como a Previdência avançam mais que o previsto pelo governo e que as medidas improvisadas para aumentar receitas, embora demonstrem vontade de cumprir as metas, são transitórias ou têm benefícios incertos.

Se as contas públicas estão assim com o PIB forte, vão piorar em caso de desaceleração, conclui a Fitch. A agência refez suas projeções para a relação dívida/PIB e agora espera que ela cresça mais rápido, beirando 84% ao fim de 2026.

A S&P, que andava quieta, emitiu nesta quinta-feira (3) opinião semelhante à da Fitch: o crescimento mais forte da economia não está contendo o avanço da dívida. "Portanto, parece difícil a possibilidade de começar a sinalizar a melhora do rating", disse ao Valor o analista líder para Brasil, Manuel Orozco. A empresa vê a dívida brasileira chegando a 83% do PIB em 2027.

Historicamente, as três agências costumam se imitar. Até há pouco, numa escala com mais de 20 posições, todas colocavam o Brasil no mesmo nível: o segundo melhor dentro do grau especulativo, dois abaixo do grau de investimento. Ao menos por ora, o consenso está rompido.

Enquanto os especialistas locais e estrangeiros não se entendem sobre a economia do Brasil, convém citar a opinião popular.

Há tempos as pesquisas mostram um declínio da aprovação do governo Lula, puxado justamente pela economia. Ela foi o item mais citado como o maior problema do país pelos entrevistados no último levantamento da Quaest, divulgado um dia após o relatório da Moody's, à frente de violência, questões sociais e corrupção.

Também aumentou a proporção dos que veem piora nos últimos 12 meses e caiu o índice dos que esperam melhora nos próximos 12. E mais de 60% acham que o poder de compra diminuiu de um ano para cá.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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