Em algum momento a vida real – aquela em que o dinheiro público é finito – chegará ao Orçamento federal. O primeiro passo foi dado pouco antes da meia-noite deste domingo (1º), quando o relator da Comissão Mista de Orçamento, senador Dalirio Beber (PSDB-SC), apresentou seu parecer sobre o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) do ano que vem.
O senador eliminou do texto enviado pelo governo a previsão de reajustes salariais aos servidores em 2019, além de congelar nos níveis de 2018 os valores de benefícios como auxílio-moradia, auxílio-alimentação ou refeição e assistência pré-escola. Também limitou a possibilidade de contratações e propôs um corte de 10% nas despesas de custeio da máquina federal. E vedou gastos com automóveis de representação e reforma ou compra de imóveis funcionais.
Segunda maior despesa não financeira da União, o pagamento de servidores vai demandar pouco mais de R$ 300 bilhões neste ano. Assim, apenas o repasse da inflação em 2019 custaria cerca de R$ 10,6 bilhões, caso o IPCA fique em 3,5%. Com o congelamento, acredita o senador, haverá “melhores condições orçamentárias para as áreas da educação, saúde e assistência social”.
No relatório, Beber disse não ser contra o reajuste de salários nem a contratação de servidores, mas que “somente se pode dar o que se tem a oferecer”. “É melhor buscar pelo menos garantir o estágio em que nos encontramos do que permitir aumentos que sabidamente o Erário não tem como suportar”, apontou.
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A iniciativa de congelar salários, auxílios e contratações não vai necessariamente prosperar. O Congresso ainda precisa aprovar o parecer do relator. E, depois, manter essa previsão na Lei Orçamentária Anual (LOA), que é o Orçamento de fato. Isso significaria contrariar o funcionalismo – que é mais organizado que a maioria dispersa dos demais contribuintes – em pleno ano eleitoral.
Ainda que os parlamentares tenham disposição para tanto, o congelamento pode ser derrubado pela Justiça. A tentativa de suspender os reajustes no início de 2018, por exemplo, foi barrada por uma liminar do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF).
A fatura da crise
A suspensão de reajustes naturalmente não interessa aos servidores federais. A questão é que, por enquanto, a maior parte da fatura da recessão e do caos nas contas públicas foi paga pelos trabalhadores do setor privado – cujas empresas, ao contrário do governo, não têm como passar anos no prejuízo sem recorrer a algum tipo de ajuste.
Nos últimos quatro anos, o número de pessoas empregadas com carteira assinada diminuiu quase 4 milhões, segundo a pesquisa PNAD Contínua, do IBGE. E o rendimento médio dos ocupados no trimestre encerrado em maio deste ano (R$ 2.089) era quase idêntico ao do mesmo período de 2014 (R$ 2.081), em valores corrigidos pela inflação.
Os ganhos dos servidores da União são bem maiores, mesmo quando se consideram as diferenças de escolaridade, experiência e posição no emprego. Em 2015, o “prêmio salarial” do funcionalismo federal em relação aos empregados da iniciativa privada era de 93%, segundo estudo do Insper. A vantagem dos servidores estaduais era bem menor, de 28%. E os funcionários municipais ganhavam, em média, 2,5% menos que seus pares em empresas privadas.
Oito anos de contas no vermelho
Para justificar os cortes, o relator da LDO lembrou que as contas federais estão no vermelho – antes mesmo do pagamento dos juros da dívida – desde 2014. A meta para o ano que vem é de um déficit primário de R$ 139 bilhões.
“Nos últimos quatro anos, de 2014 a 2017, a União entregou um déficit primário de aproximadamente R$ 415 bilhões, sem considerar os juros incidentes sobre a dívida pública. Isso corresponde a um gasto médio anual de R$ 103,76 bilhões acima de tudo que o governo arrecada”, apontou o senador. “Essa situação deficitária ainda perdurará pelo menos até 2021. No período de 2018 a 2021, estima-se oficialmente déficit primário da ordem de mais R$ 478 bilhões de reais.”
Na soma de oito anos (2014-2021), portanto, o país terá gasto quase R$ 900 bilhões além da arrecadação, tudo coberto por aumento do endividamento. “A dívida pública está sendo alimentada com gastos que meramente se exaurem em si mesmos, sem agregar valor, seja na forma de bens, seja na de conhecimento. Estamos nos endividando para pagar pessoal, benefícios e juros e manter isenções tributárias”, escreveu Beber. As sugestões do senador não alteram esses montantes. Apenas redistribuem as perdas, que nos últimos anos se concentraram em despesas não obrigatórias, como os investimentos públicos.
O relatório também proíbe a criação de cargos, empregos e funções no ano que vem. Caso a proposta seja aprovada, a União só poderá contratar funcionários para repor servidores nas áreas de educação, saúde, segurança pública e defesa; para preencher vagas em instituições federais de ensino criadas nos últimos cinco anos; e para o Fundo Constitucional do Distrito Federal. Outra exceção é a contratação de pessoas aprovadas em concursos que vencem em 2019.
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