O que o chuvisco das antigas televisões tem a ver com a origem do Universo? Pode parecer estranho, mas aquele som irritante e os pontos pretos e brancos correndo caóticos na tela contêm fósseis da infância do universo, em meio a outras interferências mais contemporâneas. Pois é. A tecnologia das smart TVs é ótima ao permitir a sintonia automática dos canais. Mas nos privou de entrar numa máquina do tempo de quase 14 bilhões de anos. Quando ligamos televisores velhos e não sintonizamos nenhuma emissora, podemos ver e ouvir ecos e imagens do Big Bang. Do Big Bang real; não de episódios da série de TV que muita gente acompanhou. E mais: quem mergulhou no estudo desse chiado descobriu que há muita coisa real e misteriosa bem no meio de nós que simplesmente não podemos ver nem perceber.
Mas daqui a pouco a gente chega no mistério que está por aí. Porque antes vamos contar a história desses ecos televisivos do Big Bang.
Tudo começou por acaso. Em 1964, dois radioastrônomos norte-americanos – Arno Penzias e Robert Wilson – não conseguiam sintonizar direito a antena de um equipamento que usavam em seus experimentos. Um ruído de fundo insistentemente persistia, apesar de tudo o que faziam para resolvê-lo. Chegaram a achar que algum pombo sem-vergonha tinha feito cocô na antena. Limparam. E nada. Viraram ela pra cá. Viraram pra lá. E o som estranho continuava.
Então eles testaram uma hipótese que até então fazia parte apenas das teorias. Acertaram na mosca. Ou melhor, no Big Bang. As observações confirmaram: o ruído batia com descrições e cálculos teóricos da chamada radiação cósmica de fundo – um sinal de micro-ondas que se espalha por todo universo e que foi produzido quando o universo era uma criança de “apenas” 400 mil anos que começava a tomar a forma atual. É a mesma interferência que aparece no chuvisco da TV velha.
A descoberta dessa radiação de fundo, que valeu o Nobel de Física de 1978 a Penzias e Wilson, foi a pista que levou a ciência ao início de tudo. E a um dos grandes mistérios da física contemporânea: o que é a matéria fantasma que pode estar ao nosso lado sem que possamos vê-la ou percebê-la?
Quem trilhou esse novo rastro para chegar num mundo bizarro (mas real) foi o canadense James Peebles – que ganhou o Nobel de Física de 2019. Os estudos teóricos dele já haviam ajudado Penzias e Wilson a descobrir a radiação ancestral. Mas Peebles foi além e a usou, posteriormente, para estimar a quantidade de matéria e energia produzida no Big Bang.
Os cálculos (confirmados por observações) levaram a uma conclusão desconcertante. Para que o mundo que conhecemos possa existir do jeito que existe, é necessário haver muito mais do que “existe”. Ou as galáxias e planetas não teriam se formado. E, ainda que se tivessem conseguido se formar, se “despedaçariam” no universo.
Isso ocorre porque a força da gravidade, que atrai os corpos, depende da massa deles. Quanto mais massa, mais atração. Desse modo, é necessário matéria suficiente para que a poeira cósmica se aglomere e forme os astros. O problema é que não existe essa matéria toda para manter as coisas da forma que são. Ou pelo menos não há matéria suficiente do jeito que conhecemos. Peebles estimou que toda a matéria tradicional – que pode ser vista, observada e medida – só preenche 5% do universo. O restante ninguém – nem os cientistas – sabe exatamente o que é. Mas, apesar disso, há algo que está por aí. Talvez até mesmo ao nosso lado neste momento.
Os físicos batizaram essa “coisa” de matéria e energia escura. A matéria escura, que não interage (ou interage muito fracamente) com a matéria comum, é essencial para que as galáxias existam como são. É ela que puxa os astros e galáxias para mantê-los unidos na sua configuração observável. Já a força escura, também indetectável, vai no sentido oposto: ela é a melhor hipótese para explicar por que o universo se expande no ritmo atual. É como se fosse um misterioso jogo de estica e puxa que mantém a harmonia cósmica. Sim, há muito mais entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia.