O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), certa vez disse que, antes de tomar uma decisão judicial, busca em suas “convicções íntimas (…) a resposta que mais lhe afigure correta e justa”. E que, só depois de ter decidido o que acha ser certo, é que “procura, no ordenamento jurídico, os fundamentos capazes de sustentar a conclusão”.
Marco Aurélio até ponderou que se sente obrigado a rever a decisão inicial se ela não encontrar “esteio no arcabouço normativo”. Mas, como no Brasil há uma infinidade de leis e princípios constitucionais pra lá de vagos, não é difícil que ele ache um argumento que embase sua decisão – seja ela qual for.
A compreensão de Marco Aurélio sobre a justiça é emblemática. Resume com perfeição o carnaval judicial no qual o país se meteu. Juízes estão se sentindo no direito de decidir de acordo com suas crenças e vontades pessoais, e não necessariamente segundo a lei.
Decisão de soltar Lula é a ponta do ‘supremo’ iceberg
O exemplo mais novo da bagunça do Judiciário nacional foi a decisão de soltura do ex-presidente Lula tomada no domingo passado (9) pelo desembargador Rogério Favreto, plantonista do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4). Ele simplesmente contrariou decisão de um colegiado de três colegas da mesma corte por ver ter a íntima convicção de que a pré-candidatura de Lula à Presidência é um fato novo que justificaria sua libertação para fazer campanha.
Mas a decisão de libertar Lula é apenas a ponta deste supremo iceberg. O STF, como a corte que está acima de todas as demais, tem tido um papel fundamental em criar e estimular a algazarra jurídica ao dar vários maus exemplos.
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Na verdade, hoje o Supremo é a principal instituição desestabilizadora do país. Justamente por ser aquela que deveria pacificar as diferentes interpretações jurídicas. E também porque teria de dar (mas não dá) respostas ágeis para punir ou absolver políticos envolvidos em casos de corrupção. E, agindo assim, produz sensação de impunidade em relação às altas autoridades (e de mais voluntarismo para tentar “solucionar” a questão).
Assim como o juiz plantonista, ministros do STF se insurgem contra decisões colegiadas do Supremo
Ministros do STF, tal qual Favreto, também estão se insurgindo contra decisões tomadas pelo conjunto de colegas do Supremo. É o que ocorre, por exemplo, com as prisões após condenações em segunda instância.
O atual entendimento do STF é de que a pena pode começar a ser cumprida já com uma sentença de segundo grau. Mas ministros como Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski não se dão por vencidos e vêm libertando condenados nessas condições sob os mais variados argumentos.
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A própria discussão das prisões em segunda instância é outro exemplo de como o Supremo muda ao sabor dos ventos, causando insegurança jurídica. Em julgamento de 2009, ficou decidido que a pena só poderia começar a ser cumprida quando não houvesse mais possibilidades de recursos, mudando a jurisprudência anterior. O entendimento durou apenas sete anos. Em 2016, o STF julgou duas vezes o tema e, em ambas, autorizou prisões após condenações por juízo de segundo grau.
O problema é que os ministros do Supremo, na última vez que apreciaram o caso, em outubro de 2016, tomaram uma decisão em caráter liminar, ou seja, provisório – embora eles, na prática, já tivessem discutido todos os elementos necessários para finalizar o assunto no mérito. Ao fazer isso, deixaram aberta a porta para novas mudanças de entendimento. Que, por sinal, passaram a ser cobradas por causa da prisão de Lula.
Até mesmo quando a Constituição parece clara, há margem no STF para “convicções íntimas”
Além do vaivém judicial (replicado em outras instâncias), o STF também vem deixando uma boa dose de margem para críticas de que ele próprio descumpre a Constituição.
E, de novo, o caso das prisões em segunda instância é exemplar. Pode-se gostar ou não disto, mas o artigo 5.º da Constituição diz claramente que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
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A atual jurisprudência do Supremo só parece fazer sentido se for considerado que alguém pode ser encarcerado sem ser considerado culpado – o que, obviamente, é um contrassenso legal. Ou, noutra forma de ver, se a Constituição estiver sujeita às “convicções íntimas” dos ministros sobre o que é correto – para usarmos o termo de Marco Aurélio.
Outro caso de “convicção íntima” foi a decisão do ministro do STF Ricardo Lewandowski, ratificada pelo Senado, de manter os direitos políticos da ex-presidente Dilma Rousseff mesmo após ela ter sido alvo de impeachment, em 2016. O artigo 52 da Constituição estabelece a perda de direitos políticos por oito anos dentre as punições para presidentes cassados por crime de responsabilidade. Foi o que ocorreu com o ex-presidente Fernando Collor em 1992. Mas não com Dilma.
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