O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e muita gente que entende do assunto asseguram que não há motivo para acreditar em fraude nas urnas eletrônicas. Ainda assim, cada vez mais brasileiros desconfiam do resultado das votações. E essa crença, apesar de ser infundada, é uma ameaça à democracia porque abala a credibilidade do processo eleitoral. O TSE e a cúpula do Judiciário brasileiro poderiam resolver o descrédito popular, mas estão fechando os olhos para a existência desse fato. Aparentemente, por dois motivos: não querem gastar dinheiro para resolver a questão e demonstram uma autoconfiança sobre seus sistemas de segurança que beira a soberba.
A solução para o impasse é simples: imprimir os votos em papel para posterior verificação caso haja questionamentos sobre supostas fraudes na contagem eletrônica de votos. Porém, isso é caro. O investimento necessário seria de R$ 2 bilhões, segundo estimativa do próprio TSE. Mas é o preço a pagar para evitar a descrença da população (ou de parte dela) nas eleições.
Considerando que a Justiça Eleitoral tem um orçamento anual de quase R$ 9 bilhões e costuma gastar muito dinheiro com propagandas “educativas” que não servem para muita coisa, investir num sistema desses é algo a ser considerado. Pelo menos no médio prazo.
Brasil teve voto impresso para auditagem em 2002. E teria em 2018…
Tecnicamente, é possível fazer. O país já teve voto impresso para auditagem da votação eletrônica nas eleições de 2002, quando 6% dos eleitores votaram na urna e também tiveram seus votos impressos.
Aliás, esse sistema seria implantado em 2018, ao menos parcialmente. Aprovada em 2015, a Lei n.º 13.165 obrigou a impressão dos votos para posterior recontagem em caso de necessidade. O TSE, apesar de ser contra a lei, já estava se preparando para colocar em funcionamento o novo modelo de votação em 5% das seções eleitorais. Não seria implantado em todas as 23 mil seções eleitorais do país justamente porque o valor a ser investido era alto demais. Mas a cada eleição mais urnas passariam a ter impressão do voto.
STF suspendeu a impressão do voto às vésperas da eleição
Aí é que entra na história o Supremo Tribunal Federal (STF). Em julho deste ano, às vésperas da eleição, portanto, o plenário do Supremo suspendeu a impressão do voto. O argumento majoritário foi de que haveria risco de violação do sigilo da votação – uma garantia constitucional.
Durante a sessão da Corte, houve até mesmo ironias sobre as suspeitas de fraudes nas urnas. O ministro Gilmar Mendes chegou a dizer que acreditar nessa “lenda urbana” é o mesmo que crer que o homem não chegou à lua. Em outra ocasião, o ministro Dias Toffoli também foi sarcástico sobre o tema, afirmando haver gente que acredita em saci-pererê.
Não havia sido a primeira vez que o STF se posicionou desse modo em relação a outras leis que também previam a impressão do voto para auditagem da votação.
Problemas na impressão do voto em 2002 enterrou o modelo, em vez de servir para aprimorá-lo
A rejeição da cúpula da Justiça ao voto impresso é uma decorrência dos problemas que ocorreram em 2002. Após aquela eleição, o TSE concluiu que o sistema de impressão tinha muitas falhas – dentre as quais o risco de o sigilo do voto ser violado. Isso porque várias impressoras travaram e os mesários tiveram de intervir para que o voto fosse depositado na urna – o que deveria ser feito automaticamente pelo maquinário. Nesse momento, eventualmente eles poderiam ver como foi a votação do eleitor.
O sistema mostrou outras deficiências. O travamento da impressora criou longas filas para o eleitor e aumentou o número de urnas que quebraram e tiveram de ser substituídas. Também havia a questão do custo maior: de papel, transporte e para guardar os votos impressos com segurança.
A Justiça Eleitoral poderia ter melhorado o sistema e o maquinário para evitar os problemas e os riscos de violação do segredo do voto. Mas optou por defender o sistema de votação exclusivamente eletrônica. Conseguiu convencer os parlamentares de que o voto eletrônico bastava. O Congresso mudou a lei e a obrigatoriedade da impressão dos votos caiu.
Suspeitas sobre fraudes vêm crescendo embaladas por figurões da política
O problema é que desde então políticos de esquerda e de direita só fazem crescer as suspeitas sobre as urnas eletrônicas – ainda que infundadas. Em 2014, a dúvida sobre a credibilidade do sistema tomou o país quando Aécio Neves (PSDB), derrotado por margem estreita por Dilma Rousseff (PT) na eleição presidencial, pediu investigação por suposta fraude nas urnas eletrônicas. Um ano depois, a auditoria do próprio PSDB concluiu que não houve nada de errado. Mas o estrago já estava feito.
Nesse sentido, Jair Bolsonaro (PSL), quando afirma haver risco de fraude nas urnas eletrônicas, só está acentuando ainda mais uma desconfiança que já existia e que provavelmente vai continuar a existir se nada for feito.
O primeiro turno deste ano também não contribuiu em nada para dar um crédito aos sistemas e ao planejamento da Justiça Eleitoral. Para o eleitor, foi um dos dias de eleição mais conturbados dos últimos tempos. Ocorreram longas filas de até três horas em vários locais de votação devido a falhas no sistema de biometria e à fusão de seções eleitorais (medida tomada pelo TSE para economizar dinheiro). A isso se somaram relatos de cidadãos que alegam que a urna encerrava a votação imediatamente após o eleitor digitar o número de seu candidato a presidente – antes, portanto, de ele confirmar esse nome.
É provável que esses últimos incidentes tenham ocorrido por uma simples falha nas urnas, tal como a que ocorreu com a biometria. E que os votos tenham sido computados corretamente. Mas o fato é que esses depoimentos se espalharam pelas redes sociais como “prova” de que haveria fraude na votação. E muita gente está acreditando nessa versão.
O TSE tem a obrigação de dar respostas rápidas a essas dúvidas, da mesma forma que rapidamente mostrou a farsa sobre o vídeo em que uma urna era automaticamente preenchida com o voto no 13 (Fernando Haddad) quando o eleitor digitava o número 1.
Mas a questão é que o TSE tem se apegado quase que exclusivamente ao discurso técnico de autoproteção: alega que a urna eletrônica é segura, e pronto. Num país em que o eleitor está cada vez mais desconfiado de tudo e de todos, isso não é suficiente. É preciso algo mais. Pelo bem das eleições. Pelo bem da democracia.