Epa! O que isto está fazendo aí?! Tem gato na tuba! Só que não. Quem corre desatento os dedos pelas folhas do calendário talvez estranhe... Até é compreensível; afinal, ele não é muito de dar as caras. Mas o 29 de fevereiro – o dia intrometido – veio para consertar o tempo. Não foi assim pá-pum que inventaram o ano bissexto: a briga do homem para se adaptar à natureza levou mais de dois mil anos com voltas e reviravoltas. Spoilers: nem sempre o dia extra foi o 29 de fevereiro, quem o tirou da cartola foi um grande personagem da história e tem até o dedo de um papa nisso aí. Interessado na história? Então embarque comigo nessa viagem no tempo para descobrir por que a gente conta o tempo do jeito que a gente conta.
A história do nosso calendário começa por volta do século 8 a.C., com os antigos romanos. Inicialmente, era um calendário lunar com dez meses de 30 ou 31 dias, somando 304 dias no ano – que começava sempre no equinócio de primavera (20 ou 21 de março no hemisfério norte).
Não é preciso ser um gênio pra saber que isso não ia dar certo, já que o ano solar dura 365 dias. Então, por volta de 713 a.C., o rei romano Numa Pompílio resolveu fazer uma primeira reforma no calendário. A duração de vários meses foi reduzida de 30 para 29 dias e se acrescentaram, no fim do ano, dois meses aos dez já existentes. O nome deles: janeiro e fevereiro (pois é, o ano já começou mesmo depois do carnaval).
Mas tinha um problema. O ano de Numa Pompílio, desse jeito, teria apenas 355 dias. E não ia demorar muito para as estações estarem todas bagunçadas. O rei de Roma deu um jeitinho. E inventou a regra de adicionar, de tempos em tempos, um mês extra – o mercedônio – no meio de fevereiro. Era bem esquisito: fevereiro começava, era interrompido no dia 23 ou 24 pelo mercedônio, e depois terminava. A cada quadriênio, haveria dois anos de 355 dias, um de 377 e outro de 378. Isso totalizava uma média anual de 366,25 dias, quase certo.
Mas nessa história sempre aparece um problema atrás do outro. A introdução do mercedônio não era automática. Quem tinha de autorizar a sua inclusão era o pontífice máximo – o papa da religião romana. Acontece que, de tempos em tempos, ele não fazia isso – sei lá, devia ser muito ocupado e ter coisas mais importantes para fazer do que consertar o tempo...
E então entra nosso protagonista. Depois de ir, ver e vencer os gauleses... Depois de cruzar o Rubicão para implantar a sua tirania em Roma... Depois disso tudo, o general romano Júlio César só queria mesmo era vestir seu saiote, calçar sandálias e curtir uma festinha com sua turma. Mas festa no frio não dá. E as celebrações da primavera (e do início do ano) estavam acontecendo em pleno inverno – tudo porque alguém esqueceu (várias vezes) de incluir o mercedônio no calendário.
César, batendo os dentes, deve ter pensado: “Que m... é essa?!” E então, em 46 a.C, ele mudou tudo de novo. Copiou os egípcios, que tinham um calendário de 365 dias (finalmente!). Alterou o início do ano para 1.º de janeiro. Jogou o mercedônio no lixo. Manteve os demais 12 meses. Como ninguém é de ferro, rebatizou um em sua própria homenagem: julho. E inventou o dia extra que haveria de ser incluído a cada quatro anos em fevereiro. O motivo: o ano solar tem 365 dias e quase 6 horas; e esse rabicho de tempo tinha de ser compensado de alguma forma para, lá na frente, o calendário não voltar a se desalinhar com os ciclos naturais.
Mas o dia bissexto ainda não era o 29 de fevereiro. César decidiu simplesmente duplicar o dia 25 daquele mês nos anos bissextos (havia o dia 25, que era seguido pelo dia 25 e só depois viria o 26).
O termo “bissexto”, aliás, veio dessa escolha. Como fevereiro tinha 29 dias àquela época, o 25 era o sexto dia antes do 1.º de março. E era dessa forma esquisita – regressiva e inclusiva, incluindo o próprio dia 1.º – que os romanos contavam os dias. O dia dobrado então era chamado de antediem bis-sextum calendas martii – ou o “dia bissexto antes das calendas de março” (anedota: os romanos chamavam os primeiros dias de cada mês de calendas – daí vem a palavra calendário).
Não demorou muito e o dia bissexto mudou para 24 de fevereiro. Isso porque o imperador Augusto, invejoso de César, roubou um dia de fevereiro para incluir no mês que ele havia acabado de rebatizar com o seu nome: agosto – que agora passava a ter 31 dias, como julho. Fevereiro ficou com os 28 dias que tem até hoje. E o sexto dia antes do 1.º de março desceu uma casinha. Foi só com o tempo, quando as pessoas abandonaram o jeito nada prático dos romanos de contar os dias, que o 29 de fevereiro passou a ser o que é atualmente.
Então tudo certo com o calendário e caso encerrado? Que nada! Lembram que o ano solar tem 365 dias e quase 6 horas? A história acabaria se não fosse esse “quase”. Na verdade, essa pequena diferença fez com que, a cada ano bissexto, o calendário humano ficasse ligeiramente adiantado: 11 minutos e uns segundinhos. Pouca coisa. Mas a conta aparece ao longo de muitos séculos. E eis que lá nos fins do século 16 celebrávamos a chegada da primavera dez dias antes do que ela acontecia no ciclo natural. Isso era um problema religioso. Afinal, a Páscoa é marcada a partir do equinócio de março; e ela estava sendo comemorada fora de hora.
Quem resolveu o problema foi um pontífice que, diferentemente dos seus congêneres da Roma antiga, fez o seu trabalho direito: o Papa Gregório 13. Ele simplesmente cortou dez dias do ano de 1582. Sem dó nem piedade. Desta vez, não sobrou para fevereiro. Foi outubro quem pagou o pato: o sábado seguinte à sexta-feira de 4 de outubro de 1582 foi o dia 15. E, para compensar aqueles 11 minutos a mais que iriam causar desajustes no futuro, criou-se a regra de eliminar três anos bissextos a cada quatro séculos. Ou seja, nesses casos muitíssimo esporádicos, quatro anos depois de um ano bissexto não há o 29 de fevereiro. O último ano em que isso ocorreu foi 1900. O próximo será 2100.
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