Foto: Odd Andersen/AFP/Getty Images| Foto:

Bocha no gelo com uma vassourinha pra lá de estranha. Saltos mortais com esquis. Bando de malucos ladeira abaixo num trenó que mais parece um rolimã sem freios. A graça e leveza da patinação artística. Jogos Olímpicos de Inverno têm um toque exótico para quem mora num país tropical. Mas, de todo esse exotismo, talvez o mais surpreendente dos Jogos de PyeongChang tenha sido a explicação do sucesso da Noruega, a campeã no quadro de medalhas: não valorizar a competição. E, acreditem, isso tem a ver com o fato de o país ser desenvolvido, socialmente justo e com pouquíssima corrupção.

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A Noruega tem muita neve. Brincar no gelo é como rolar na grama para nós. Ponto para eles: tradição nos esportes do frio. Mas outros países também são geladeiras no inverno. Muitos deles bem mais populosos do que a Noruega, que tem pouco mais de 5 milhões de habitantes. Então, o que os diferencia?

Os chefes da delegação olímpica norueguesa explicaram. O sucesso está em não promover nenhum tipo de competição entre crianças e jovens até os 13 anos. Pelo menos no começo da vida, a ideia é que o esporte seja uma brincadeira, sem pressões. Isso estimula todos a continuarem. E, quando chega a hora de escolher uma modalidade para realmente competir, já terão optado por aquela de que realmente gostam. E não aquela em que, num primeiro momento, eventualmente tenham tido melhor desempenho, ou a que praticaram por causa dos pais. A aposta é que, se fizerem o que lhes dá prazer, serão bons. Deu certo.

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Agora já podemos dar um salto na neve para ir aos finalmentes. Desestimular a competição e incentivar a cooperação é um traço cultural não só dos noruegueses, mas dos demais povos nórdicos – que também apresentam índices sociais invejáveis.

Essa característica está nas entrelinhas de uma regra não escrita que rege a vida na Noruega, Suécia, Finlândia e Dinamarca: a Lei de Jante. Em suma, ela diz que nem eu nem você devemos pensar que somos melhores que qualquer um. É como se fosse nossa velha conhecida Lei de Gérson virada do avesso: querer levar vantagem em tudo, afinal, é desejar estar sempre à frente dos outros. Isso explica a parcimônia nórdica com as competições: elas inevitavelmente têm um vencedor, alguém que se sai melhor que os demais.

A Lei de Jante implica um igualitarismo profundo que se manifesta não apenas nos códigos legais e na justiça social. Mas principalmente no comportamento.

Eles torcem o nariz para quem conta vantagem de si. Seja sobre o carro zero quilômetro, o novo celular, a viagem de férias, o diploma acadêmico. Nórdicos têm repulsa à ostentação. E veja bem: não só à ostentação de riqueza e status.

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Brasileiros que moram por lá relatam que você dificilmente vai ver um sueco ou um norueguês postando no Facebook fotos do treino na academia… e, obviamente, de como ele está em boa forma. Afinal, isso é uma violação da norma social: mostrar o corpo “sarado” é demonstrar que é melhor que os outros, ao menos nesse ponto. Portanto, nada de se exibir.

No extremo, a Lei de Jante pode ser coletivista a ponto de oprimir a individualidade. Os nórdicos sabem disso. E dentre eles há quem critique sua inflexibilidade. Por sinal, a própria fórmula de sucesso da delegação olímpica da Noruega tem um quê de violação da lei: permite o espírito competitivo assim que os jovens ficam um pouco mais maduros.

Mas vamos falar de Brasil. O que torna a Lei de Jante tão estranha para nós quanto o curling é a noção de que a igualdade é muito mais uma questão de comportamento que de legislação formal (que no fundo só codifica essa prática cotidiana). É a ideia de que a igualdade e sua irmã, a justiça social, não nascem tão somente de parlamentos que decretam leis e de gabinetes que implantam políticas públicas. Mas nascem essencialmente de pequenas atitudes que para nós parecem politicamente inócuas, como não se vangloriar. É isso que faz os nórdicos avançarem, velozes, em tantas áreas nas quais nós ainda escorregamos como os novatos na pista de gelo.