A brilhar na noite, com estrangeira luz,
Erra ao redor da Terra.
Sempre ansiosa procura
Os raios do Sol
Parmênides (530 a.C. – 460 a.C.), filósofo grego, em trecho de poema sobre a Lua.
***
A conquista da Lua é o maior feito da história da humanidade. Nunca o homem havia ido tão longe. Literalmente. Tampouco chegou a ir depois disso. A jornada da Apollo 11 é essencialmente uma vitória da ciência. O curioso é que a Lua foi, ao mesmo tempo, alvo e causa remota – bem remota! – do espírito científico.
Provavelmente foi sob a luz do luar que um antigo grego teve a inspiração para formular o tipo de pensamento que ajudaria a dar origem à ciência moderna, muito tempo depois. E o “estalo” veio daquilo que é a personalidade de nosso satélite: suas constantes mudanças.
No século 5 a.C., um grupo de pensadores gregos começou a questionar os mitos que explicavam o mundo e que conduziam os comportamentos sociais. Eles buscavam uma explicação racional para tudo, em vez de simplesmente acreditar no que a tradição lhes havia legado.
A principal preocupação desses primeiros filósofos era o chamado “problema da mudança”: como pode algo mudar e continuar o mesmo? A folha verde que fica seca no outono é a mesma folha? Como um homem adulto e o bebê que veio ao mundo podem ser a mesma pessoa?
Aqui entra o grande personagem desta história: Parmênides – o autor do poema aí acima. Ele foi um dos primeiros defensores da ideia de que nosso planeta é uma esfera. Mas não foi a Terra que conquistou seu coração (e mente). Sua paixão estava no céu: a “volúvel” Lua.
Parmênides possivelmente também foi um dos primeiros a perceber aquilo que hoje não é segredo para ninguém: as fases lunares nada mais são do que um jogo de luz e sombra. Uma ilusão provocada pelo modo como o Sol a ilumina. A Lua em si não muda. São nossos sentidos falíveis que nos deixam essa falsa impressão.
À época, o céu era visto como o modelo de perfeição, em contraposição à bagunça que reina na Terra. É fácil entender por que se pensava assim: os astros parecem ser esferas perfeitas, que dão voltas perfeitamente circulares e regulares no firmamento (hoje sabemos que não são tão perfeitas assim).
Parmênides extrapolou o que via no céu, o modelo de perfeição, para todo o resto. E concluiu que a mudança – qualquer mudança – é uma ilusão. Se as fases da “perfeita” Lua são um engano de nossos sentidos, não podemos confiar neles. E mais: eles estão em desacordo com o que a razão nos diz.
A prova lógica de Parmênides é um engenhoso raciocínio verbal. Só existe o que existe. O nada, portanto, não existe. Como o nada não existe, não há vazio. Ou seja, o mundo está cheio de algo. Se está cheio, nada efetivamente se move. Nesse caso, o movimento e a mudança (que é um tipo de movimento) são impossíveis. A mudança, consequentemente, é uma ilusão. E nada pode se transformar em algo diferente do que já é.
Parmênides estava errado – sabemos hoje que o nada existe (dentro dos átomos há muito espaço vazio). Mas o ponto não é esse. Ao rejeitar os sentidos, ele ajudou a fundar o que hoje chamamos de racionalismo – a crença de que toda fonte de conhecimento é a razão. É uma forma de pensamento essencial para o nascimento da ciência moderna, como veremos um pouco adiante.
Mas a hipótese racionalista para o problema da mudança não passou livre de críticas na antiga Grécia. E estimulou um punhado de filósofos a propor outra forma de abordar a questão de como as coisas mudam e se mantêm as mesmas em essência.
Esses pensadores diziam que não se pode simplesmente descrer daquilo que salta aos olhos, as mudanças. Eles eram o que hoje chamamos de empiristas: quem acredita que o conhecimento vem da experiência dos sentidos.
Demócrito (460 a.C. – 370 a.C.) foi um dos mais influentes filósofos que flertou com essa linha. Ele propôs que tudo é feito de pequeníssimas partículas materiais indivisíveis, que chamou de átomos. Segundo Demócrito, os átomos em si não mudam. São a essência da natureza. Mas se recombinam. E são essas recombinações que promovem o que chamamos de mudança.
As teorias dos antigos gregos “hibernaram” por muitos séculos. Mas foram resgatadas com força na Renascença, a partir do século 14. E contribuíram de modo decisivo para o surgimento da ciência moderna – inclusive inspirando a teoria dos átomos como a conhecemos hoje.
O pensamento de Parmênides ressurgiu repaginado no racionalismo moderno de René Descartes (1596-1650), o pai do método científico. Também está na origem do pensamento dedutivo – por meio do qual se chega a uma lei geral a partir de premissas lógicas.
Igualmente são herdeiros dos antigos gregos o empirismo científico e o método indutivo, quando se usa a repetição de experiências particulares para propor enunciado geral válido universalmente.
Foram esses métodos de raciocínio que colocaram as rodas da ciência para se mover. E que, em última análise, impulsionaram os foguetes da Apollo 11. Tudo culpa da Lua.
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