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O ano novo não é tão novo: 2018 tem ares de 1918 e 1968

Arte: Robson Vilalba/Thapcom (Foto: )

A chegada de 2018 e o cinquentenário de 1968 vêm levando (e ainda levarão) analistas a voltar seus binóculos para o “ano que não terminou”, com o objetivo de entender como ele influencia os dias atuais. Pegarei uma luneta para ver ainda mais longe: 1918.

A seu modo, os dois anos são marcos da longa luta por liberdade e igualdade. Dos acertos e equívocos de uma briga que segue hoje e que impõe escolhas que já foram feitas no passado. Nem sempre para o bem.

Em 1918, terminava a Primeira Guerra Mundial. O fim do conflito assinalou o desmoronar do mundo aristocrático europeu. A sociedade em que poucos decidiam o destino de todos sem contestações (inclusive nas democracias da época) perdia seus alicerces morais. Os poucos, afinal, haviam conduzido todos ao até então inimaginável: 9 milhões de mortos, 30 milhões de feridos.

O erro dos aristocratas abriu a possibilidade de uma democracia mais democrática. De mais liberdade e igualdade. As mulheres, que haviam participado do esforço de guerra como mão de obra nas fábricas, conquistaram o direito de votar e a ser votadas. Os trabalhadores ganharam força política na esteira da descrença generalizada com a aristocracia dirigente.

Mas da desesperança semeada pelos morteiros da Primeira Guerra igualmente brotou a negação da democracia: os totalitarismos de esquerda e de direita.

O de esquerda nasceu antes. Ainda durante o conflito armado, a Rússia viu surgir o comunismo. A promessa era criar um novo mundo, em que todos fossem iguais. Mas o que se viu foi a supressão da liberdade em nome da igualdade.

O irmão gêmeo do totalitarismo comunista, mas com sinal trocado, iria aparecer pouco depois. O nazifascismo prometia pôr ordem na bagunça criada pelas liberdades “excessivas” das democracias.

Agora, façamos uma viagem no tempo para meio século mais tarde: 1968, o ano da revolta planetária de jovens. O novo status quo passou a ser questionado, seja ele de direita ou de esquerda. As revoltas atingiram países democráticos e ditaduras comunistas e capitalistas: França, Estados Unidos, Tchecoslováquia, Brasil. Nas ruas, a pauta era extensa: direitos políticos, civis, sexuais, de mulheres, de gays, de negros. Em resumo: mais liberdade e igualdade.

Houve flerte de jovens com variadas tendências políticas, inclusive autoritárias. Em alguns casos, a violência virou método de manifestação. E a reação também foi violenta para restabelecer a “ordem”: seja pela polícia francesa, pela morte do líder negro Martin Luther King nos EUA, com os tanques soviéticos em Praga, ou por meio do AI-5 brasileiro. Mas as ideias haviam sido plantadas.

Um novo salto de meio século e voltamos a 2018. O ano começa como uma mistura de 1918 e 1968. A agenda libertária e igualitária de 50 anos atrás permanece inconclusa, pulsando. E há também um acirramento da reação contrária a ela.

Já os ares de 100 anos atrás sopram por meio da descrença generalizada com a classe dirigente, que se encastelou no poder e criou uma espécie de nova aristocracia decadente no seio das democracias. E igualmente hoje surgem, sorrateiros, os extremismos de esquerda e direita, que aproveitam a desilusão com a política para crescer.

Não é difícil encontrar seus adeptos. São aqueles que, de um lado, defendem ditaduras de esquerda como a da Venezuela. Do outro, os que simpatizam fervorosamente com políticos como Trump (e assemelhados) e com suas condutas marcadas pelo desprezo a diversos valores democráticos.

Muitas cartas de 1918 e 1968, enfim, estão à mesa de 2018. Mas não se pode esquecer que, neste jogo, também está a democracia.

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