A Copa acabou. O mundo já voltou ao normal. Mas calma lá. Desse mato ainda sai algum coelho. Prometo: depois de hoje, só volto a falar disso daqui a quatro anos.
Vamos lá. Há algo que podemos levar da Rússia 2018 para além das quatro linhas do campo de futebol. Uma reflexão que tem a ver com o nosso dia a dia no Brasil: a ética. O mundo da bola parece já ter percebido os novos ares. Já os políticos…
A discussão começa a partir de dois personagens do Mundial: Neymar e VAR (juro: a rima é mera coincidência).
Neymar entrou na Copa sonhando ser o melhor do mundo. Mas aí veio o cai-cai. E, vocês sabem, saiu como a piada planetária.
Não sou daqueles que só veem a metade vazia do copo. Neymar apanha demais. Lembram do joelhaço do Zuñiga em 2014? E, com frequência, os árbitros não fazem nada para coibir a violência. Então vá lá: Neymar até tem alguma razão. Encenar às vezes é um jeito de chamar a atenção. Mas ele exagera. Muuuuiiiiiito!!! Até quando não aconteceu nada. Pura malandragem.
Dizem que isso é do futebol. Mas pera lá. A tecnologia mudou a percepção das coisas. Tem sido difícil escapar do olho eletrônico – muito menos na Copa: tem câmera pra tudo quanto é lado. Tirando o pensamento, nada escapa da gravação em full HD. E se espalha na mesma velocidade com que Neymar rola no gramado. Vira meme.
Fosse outro Mundial, talvez a gente nem estivesse papeando sobre isso. Só que não. Estamos em 2018. E as encenações de Neymar ficaram muito explícitas para passarem batido.
O VAR, o já famoso árbitro de vídeo, é tão somente o corolário da tecnologia aplicada ao futebol. É claro: houve erros porque o juiz da telinha é e sempre será um humano, sujeito a equívocos de interpretação. Mas, aperfeiçoando algo aqui, algo acolá, o VAR vai tornar o jogo mais honesto. Já tornou. O ar dos malandros do futebol começa a ficar mais rarefeito.
E por acaso não é isso que falta na nossa vida pública? Não temos políticos que se acostumaram a simular e dissimular para levar vantagem?
Mas não foi só o mundo da bola que mudou. A tecnologia, que torna mais justa uma partida de futebol, está acessível em todas as áreas. E hoje é mais fácil descobrir que as coisas não são lá do jeito que os homens do colarinho branco dizem que são.
Dá um certo trabalho, mas a alguns cliques do mouse é possível descobrir o que é fake news e o que não é (dica deste jornalista que vos fala: desconfie de tudo o que não saiu em nenhum veículo de comunicação reconhecido). Nem todo mundo faz isso. Mas a ferramenta está ao alcance de qualquer um.
É claro que na política, como no futebol, sempre haverá margem para interpretações. Quem é de esquerda vê o mundo de um jeito diferente do povo da direita. Um acha que temos de ter mais Estado. O outro, menos. Não há necessariamente o certo ou o errado em muitas situações como essa.
Mas, ainda assim, há fatos que não estão sujeitos aos humores interpretativos. Alguém flagrado com dinheiro na cueca, na mala ou num apartamento inteiro é alguém com bufunfa pra lá de suspeita. Suspeitíssima.
E aqui está – aposta minha – a grande diferença entre o futebol e a política. Jogadores como Neymar já perceberam os novos tempos. Ele acabou sendo prejudicado por suas habilidades artísticas. Os árbitros com certeza vão ser mais criteriosos com as encenações do Menino Ney. Se não mudar, danou-se.
Já os políticos… Bem, eles parecem que ainda estão no tempo em que impedimento era offside. Quando são flagrados em situações comprometedoras, já têm o discurso na ponta da língua: foi entrada dura da oposição, da imprensa, da CIA, do FBI… Em geral, é piada. De mau gosto.
Naturalmente, no clima de Fla-Flu na política que vivemos, há muita gente (muita mesmo) que acredita neles. Que concorda que o pênalti não foi pênalti. Ou que a propina não é propina. Mas, convenhamos, isso tá mais para ufanismo de Copa do Mundo do que qualquer outra coisa.
Para que esse jogo termine com um vencedor mais justo, a gente tinha de parar de passar a mão na cabeça de quem encena para levar vantagem. Traduzindo para a terminologia política: não votar neles. Não ser só um torcedor na política. Mas um verdadeiro eleitor.