Yanny ou laurel? Se você deu uma fuçada na internet nos últimos dias, deve saber: uma única gravação e duas formas de ouvir a mesmíssima palavra. Maluco, não? Tão surpreendente quanto o caso do vestido que viralizou em 2015. “Azul e preto!”, dizia meio mundo. “Não, branco e dourado!”, retrucava a outra metade.
O desconcertante é que o áudio e o vestido – bem como outras imagens mais clássicas: a taça e as duas faces; o pato e o coelho – mostram que uma coisa pode ser duas ao mesmo tempo. Ou melhor, uma única coisa pode ser percebida de maneiras distintas. E não necessariamente uma delas está errada.
Essa é a graça das ilusões sensoriais. Nossos sentidos são grandes brincalhões: pegam-nos de surpresa. E por isso os jogos de percepção nos fascinam. Impossível não perder uns minutinhos brincando com a família ou os amigos: o que deu para você?
Porém, a graça de admitir que o mundo não é só do jeito que a gente o vê (ou escuta) e de tentar entender como os outros o percebem para por aí. Troque yanny e laurel ou pato e coelho por esquerda e direita, progressista e conservador, mortadela e coxinha. Pronto: está feita uma confusão que nada tem tido de lúdica. E tampouco de construtiva. Mas que, lá no fundo, é bem parecida com as pegadinhas dos sentidos: são jeitos diferentes de compreender as mesmas situações.
Pessoas que dependem mais de serviços públicos tendem a ser mais de esquerda porque precisam de um Estado maior e mais presente. Aqueles para quem a burocracia governamental atrapalha sua vida costumam se inclinar à direita. Cidadãos que se sentem mais ameaçados pela criminalidade têm uma propensão maior a defender o direito ao porte de armas e o endurecimento das punições penais. E por aí vai.
Em matéria de política, obviamente há situações em que há uma verdade, em que um lado está certo, ainda que haja interpretações distintas da realidade em questão. Mas também há situações em que tudo não passa de mero ponto de vista. Com as ilusões dos sentidos e jogos de percepção é exatamente assim.
O vestido original era, de fato, azul e preto. O que fazia ser visto de forma diferente era uma circunstância ambiental: a coloração da luz que incidia sobre a foto no momento em que cada um a via, o que mudava a percepção. Já as imagens da taça e dos rostos e do pato-coelho se incluem na outra categoria: nenhuma percepção está factualmente equivocada. Cada um enxerga a figura, no primeiro olhar, segundo suas referências.
Com o áudio da discórdia ainda há certa discordância na explicação científica. Há quem acredite se tratar de percepções diferenciadas da frequência sonora da gravação: pessoas com audição mais sensível a sons agudos ouviriam “yanny” e os demais, “laurel”. Para outros especialistas, a explicação estaria numa suposta ambiguidade e má qualidade do áudio. E, como a gravação não está no contexto de uma frase, o cérebro de cada um escolheria o que quer ouvir – mais ou menos como quem vê pato ou coelho. Mas o certo é que a palavra foi gravada para um dicionário online em inglês e buscava exprimir o termo “laurel” (“louro”, a folha da planta, em português).
A ciência, portanto, pode explicar qual é a verdade por trás das ilusões dos sentidos – e também pode dizer quando não há uma única verdade. Na vida em sociedade, também é possível se fiar em estudos ou na experiência histórica para saber quais regimes de governo e políticas públicas funcionam melhor. E buscar descobrir quais são os assuntos que não passam de uma questão de escolha entre duas alternativas possíveis.
Mas a discussão pública nos tempos atuais passa muito longe disso. Perdeu a racionalidade e a vontade de descobrir a verdade. Perdeu a humildade de admitir que minha percepção de mundo pode não estar certa ou não ser a única possível. Perdeu o desafio de tentar se colocar no lugar do outro para entender suas razões ou de simplesmente querer enxergar algo que não havia visto antes.
Que as duas palavrinhas que mexerem com a internet – yanny e laurel – nos ajudem a perceber o que não estamos vendo (ou ouvindo).