Ela se despediu de seu amor. Ele prometeu que voltaria. Encharcada em pranto, ela jurou que esperaria. E ele partiu num barco no cais de San Blas. Muitas luas e tardes se passaram. Seus olhos se encheram de amanheceres. E ela sempre estava, no cais, esperando por ele. Usava o mesmo vestido para que ele, se voltasse, não viera a se equivocar. O tempo se escorreu. Seu cabelo esbranquiçou. Mas nenhum barco a seu amor a devolvia. E o povo a chamava de a louca do cais de San Blas. Numa tarde de abril, tentaram levá-la ao manicômio. Mas ninguém de lá pôde arrancá-la. E do mar nunca a separaram.
A longa espera de Rebeca Méndez por seu noivo pescador, morto numa tormenta do Pacífico a poucos dias de seu casamento, foi imortalizada pela banda de rock mexicana Maná na canção de sucesso internacional En el Muelle de San Blas. Foi escrita por Fher, vocalista da banda, que ficou curioso ao avistar, numa visita àquelas paragens do México, a senhora que havia 20 e tantos anos esperava, vestida de noiva, pela volta de seu amor.
A história da louca de San Blas fascina não apenas pelo lirismo e melodia da canção. Mas por reunir de forma superlativa paixão, doença e paciência. Três elementos que partilham a mesma gênese: a dor. As palavras “paixão” e “paciência” vêm de patior, verbo em latim que indica sofrimento. O termo “patológico”, por sua vez, tem origem no grego pathos – sofrimento, paixão.
Não é difícil relacionar uma doença – do corpo ou da alma – ao sofrimento. Tampouco a paixão: a dor do bem querer. Com a paciência, a herança genética é menos aparente. Mas ela também é um sofrimento. O sofrimento de tolerar fatos indesejados.
E aí começamos a chegar ao ponto. Para que, então, sofrer? Por que ter paciência? Por que se entregar a alguma paixão? Por que correr o risco de enlouquecer como a mulher de San Blas, esperando pelo que nunca virá?
Porque simplesmente não existe vida sem sofrimento. Assim é que é.
Porque a dor é um alerta de que algo não vai bem. Sem ela, a doença nos levaria embora sem que tivéssemos a chance de lutar.
Porque, para que o sofrimento ou a doença cesse, temos de ser pacientes (não é à toa que usamos esse termo quando estamos internados num hospital). Paciência e esperança são as duas pernas que nos fazem seguir adiante, apesar dos dissabores.
E também porque a paixão é a chama que acende o amor. É claro que todo fogo é perigoso. Mas, se bem controlado, nos faz bem. Aquece o coração. Prepara o alimento da alma.
Ah… e antes que me esqueça: porque a louca de San Blas encontrou a felicidade. “Minha mãe sabia viver feliz”, disse uma de suas filhas, Blanca, numa entrevista sobre a última fase da vida de Rebeca Méndez.
Bem depois que a banda Maná lançou a canção, em 1997, um pouco da verdadeira história de Rebeca começou a vir à tona. Antes de ela virar a “louca de San Blas”, teve três filhos. Naquela entrevista, em 2012, pouco após a morte da mãe já idosa, a filha disse que a mulher da música havia sido “despojada de bens e amor” – história que prometeu um dia contar num livro.
Rebeca, aparentemente sozinha, acabou parando em San Blas. Lá, se apaixonou. Não por um pescador, como sugere a canção. Mas por um surfista, com quem queria casar. Ele morreu. Não no mar, mas atropelado.
Ao que tudo indica, as perdas afetivas roubaram o juízo de Rebeca. Ela fantasiou que seu amor havia partido num barco. Era o que contava àqueles que quisessem ouvir. Como o vocalista do Maná.
Talvez a canção nunca tivesse sido composta se aquela dor não fosse tão profundamente humana, ainda que delirante. Não fosse pela música, Rebeca quem sabe nunca reencontraria os filhos. Blanca contou que foi a semelhança entre a história cantada com o que haviam ouvido falar sobre sua mãe desaparecida que fez com que os familiares a localizassem na cidade litorânea.
A canção a devolveu ao lar. A longa e paciente espera da louca de San Blas havia acabado. Ali não estava um pescador ou um surfista. Mas ela finalmente encontrara o que sempre desejou e que, sendo-lhe retirado pela tragédia, a transtornou.