Três palavras da moda: patriotismo, nacionalismo, civismo. Elas andavam em baixa, mas o governo Bolsonaro tratou de tirá-las das páginas empoeiradas dos dicionários para levá-las às rodas de conversa. Até mesmo porque o presidente foi eleito com a expectativa de resgatar os valores que elas representam. Mas, nessa discussão, o menor dos problemas é se as crianças terão de cantar o hino e se vão estudar Moral e Cívica nas escolas; ou ainda se o passaporte voltará a ostentar o brasão da República em sua capa – apenas para ficar em algumas medidas da nova gestão. O buraco é mais embaixo. A questão é saber que tipo de sentimento pátrio-cívico se quer tirar lá do fundo. E se isso é desejável.
Por ora, o que se vê é uma tentativa de recuperar um patriotismo e civismo à moda antiga, reativo e voltado para fora – em contraposição a um mais moderno, que se orienta para dentro e que é mais propositivo.
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Explicando: o patriotismo (devoção e amor à pátria) e o civismo (deveres para com a comunidade em que se vive) desde muito cedo se interligaram ao nacionalismo – que pode ser definido como o sentimento de pertencer a uma nação, a um povo. Trata-se de uma ideologia que ajudou a centralizar o poder feudal e a construir os Estados nacionais modernos, ao fim da Idade Média. Ao valorizar a ideia de que há um povo com direito a um território, criou-se uma coesão interna contra a ameaça externa, a outra nação. Daí a conclusão de que o patriotismo antigo se volta para fora: ele se alimenta do risco representado pelo estrangeiro (ou pelos cidadãos que supostamente “conspiram” contra o seu próprio país).
Por essa razão, o nacional-patriotismo também se associa historicamente ao militarismo. As Forças Armadas são, afinal, o instrumento de proteção da nação. Isso se materializa nos símbolos nacionais, que têm origem militar. As bandeiras eram usadas nas guerras medievais para evitar que os exércitos aliados se atacassem entre si no campo de batalha. Os hinos surgiram como marchas de guerra. A letra da Marselhesa, por exemplo, é sanguinolenta. E até mesmo nosso hino nacional tem suas pitadas de morbidez: “Verás que um filho teu não foge à luta, nem teme (…) a própria morte”. Também não é mera coincidência que as comemorações de datas cívicas sejam militarizadas: a independência do Brasil se comemora com desfiles das Forças Armadas.
O nacionalismo militar levou a um sem-fim de conflitos bélicos ao longo dos séculos. Mas o encerramento da Segunda Guerra Mundial marcou o ponto de inflexão nessa história. As atrocidades do confronto fizeram com que o nacionalismo começasse a perder força, em nome da paz. Os grandes blocos de países – sobretudo a União Europeia – nasceram inspirados pelo princípio de que aprofundar as relações econômicas e outros laços entre nações torna muito mais difícil haver uma guerra entre elas.
A redução do risco de guerra e o esfriamento do nacionalismo a partir da segunda metade do século 20 abriram a oportunidade para a ascensão de um novo tipo de patriotismo e civismo, direcionado para dentro. Ou seja, voltado para a solução dos problemas daqueles que efetivamente constituem a nação – as pessoas. A guerra agora poderia ser para construir países mais justos. Talvez não seja coincidência ter sido nesse período que o Ocidente construiu a sociedade mais inclusiva de toda a história da humanidade.
Nesse sentido, amar o seu país é muito mais do que celebrar símbolos que remetem ao militarismo. É ajudar a erguer um país bom para todos os seus cidadãos. Sob a ótica do novo civismo, quem não fura o sinal vermelho e não estaciona na vaga dos idosos, por exemplo, é bem mais patriota do que aquele que sabe de cor a letra do hino.
A resposta do governo Bolsonaro, porém, até agora tem sido muito mais na direção oposta, de resgate do velho civismo. E não só no campo da valorização de nossos símbolos. O nacionalismo, em oposição ao “globalismo”, está nos discursos de altas autoridades. O militarismo voltou e já produz efeitos no imaginário popular. Pela primeira vez em muitas décadas, o país discute a possibilidade de entrar numa guerra – no caso, contra a Venezuela. Embora oficialmente o governo brasileiro descarte uma intervenção armada no país vizinho, é inegável que a hipótese só passou a ser discutida porque a atual gestão é altamente militarizada e porque aliados do presidente vêm adotando um discurso belicoso.
Resta saber: é esse patriotismo que queremos?
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