Há lugares que lembrarei por toda minha vida, embora alguns tenham mudado. Alguns para sempre, e não para melhor. Alguns se foram. Outros ficaram. Todos tiveram seus momentos. Sei que muitas vezes vou parar e pensar neles.
Se ainda não notaram ou nem desconfiam, lá vai: tomei emprestados os versos de John e Paul. Lennon e McCartney, vocês sabem:
In My Life – recomendo – é uma das mais singelas canções sobre lugares. E não só. Mas esse “e não só” fica para depois. Um pouco de paciência.
A música também é uma das mais breves dos Beatles. Dois minutinhos e pouco… e passou. Também passamos rapidamente por alguns lugares que nos marcam para sempre.
Sempre vou lembrar da lua cheia espelhada no Velho Chico. Foi num piscar de olhos: a vi de dentro do ônibus que cruzou rápido a ponte entre Petrolina e Juazeiro. Mas talvez essa seja a imagem que mais marcou minha grande aventura de juventude pelos sertões do Brasil, numa jornada do Sul ao Norte e do Norte ao Sul. Com dinheiro de menos. Mas que importa: às vezes é preciso se jogar no mundo para ver o que que há além de nosso mundinho. Catar a oportunidade a unha e não deixar passar.
Mas às vezes também devemos deixar as coisas passarem. Mesmo as feitas para a gente pegar. Como tantos Interbairros nos quais não embarquei. De propósito. Com um propósito: continuar a conversar com um amigo. E a cada ônibus que ia, a amizade crescia. Um ponto no Juvevê é meu lembrete disso. Sim, um simples ponto de ônibus também é um lugar em minha vida.
Como também é o banco de madeira no bosque do colégio em que estudei. E a história aqui é que, às vezes, também temos de quebrar regras. Afinal, elas existem para que vivamos melhor. E não para nos amarrar. Não conte para ninguém: eu estava fazendo algo “proibido”. Foi ali que sentei quando matei aula pela primeira vez. Levou tempo para o coração desacelerar. Havia perdido o fôlego.
Logo adiante fica o campo em que chorei a derrota do jogo que mais quis ter vencido: a final do futebol na Olimpíada escolar da sexta série. Meu time estava longe, muito longe, de ser o favorito. Mas era brigador. E quase chegou lá. Naquele gramado aprendi uma lição que, contudo, só veio um ano depois, quando éramos os melhores e vencemos sem muito esforço. Aquela vitória fácil não me marcou como a derrota suada: lutar é mais valoroso que vencer. Disso não vou me esquecer.
Também nunca esquecerei do Tanguá quando quase era o Tanguá. Por entre tijolos, cimento e ferragens daquilo que viria ser a praça do parque, foi lá que vi pela última vez em Curitiba o céu estrelado do jeito que ele é. A Via Láctea esparramada acima das cabeças. E também foi naquela noite de sonho que vi um cometa. Hale-Bopp – esse era o nome dele – foi o grande cometa do século 20. O mais brilhante. Quem viu viu. Ele só nos visitará de novo em 2,3 mil anos. Enfim: há coisas na vida que só se aproveita uma vez. É preciso saber saboreá-las.
Aquele Tanguá no berço também não volta mais. O de hoje é bonito. Mas as luzes da cidade chegaram por lá. E ofuscaram as estrelas. Pois é. Às vezes algo é feito para melhorar. E melhora. Mas outro algo se perde. Como a antiga João Negrão. A de minha infância. De paralelepípedo. Com sobressaltos. Sobes e desces. Para mim era quase uma montanha-russa quando passava ali dentro da Belina velha de meu pai. No caminho de volta para casa.
Voltar para casa, aliás, sempre é bom. E a casa dispensa comentários: é nosso porto seguro. Mais que um lugar: um lar.
E o lar às vezes nem mesmo está só num local. A casa de meus avós também foi meu lar. Tudo ali me ensinou o que é uma família. E um pouco mais. Meu vô tirando jabuticabas do pé no quintal. Era para que todos – todos! – comessem. E havia tantas que ele distribuía para a vizinhança inteira. Meu vô era um italiano seco, mas que me deu uma lição doce como as jabuticabas de novembro: temos de partilhar a abundância. Um dia tudo apodrece e se perde. É desperdício guardar tudo para si.
Também aprendi muito na sala de estar daquela casa. Com minha vó sentada, serena, bordando. Cuidando para dar o ponto certo em cada linha. Há no bordado a beleza dos pequenos detalhes. Que aos poucos, com a paciência de quem espera, vamos percebendo. Beleza como o carinho que ela demonstrava até mesmo no calar. Num sorriso. Num olhar.
E há tanto mais a contar: minha tia, meu tio, a mesa dos almoços de domingo… Mas isso fica pra outra. O ponto é que, quando passo por aquela casa que já foi a minha, sinto o que só pode ser expresso com uma palavra: saudade.
Dizem também que o local em que se trabalha é sua segunda casa. Para mim, foi a terceira. Cada canto que olhava havia alguém que me era familiar. À esquerda, aquele que me ensinou. À direita, o piadista. À frente, um com quem sempre pude contar. Esticando o pescoço, um pouco mais adiante, a pessoa que me ajudou a desistir de desistir e a quem dedico um grande obrigado. Logo ao lado, aquela que tentei ajudar quando se perdeu em seu labirinto interior. Ao lado, a que não me deixou em paz para o meu bem. Que cutucava. Incentivava: põe mais cor nisso aí. E que me fez ver o mundo além do preto e branco. E do azul (sim, gosto muito do azul). Também teve quem, nos dias tristes, virou pra mim e perguntou: “Quer conversar?”. Mesmo não querendo naquela hora, foi bom saber que alguém se importava.
Mas de repente olhei de novo. Procurei um rosto conhecido. Não o encontrei. Já não estava lá. Havia ido. E percebi que aquele vazio não era apenas o de uma mesa.
E então aquele lugar de todos os dias também ficou vazio. Nos mudamos para um mais moderno. O velho espaço agora faz parte da memória. Como tantos outros.
Sei que muitas vezes vou parar e pensar neles. Todos tiveram seus momentos. Mas, embora eu saiba que nunca vou perder a afeição que nutri por esses locais, descobri algo novo que já estava nos versos: In My Life é uma canção não só de lugares, mas de pessoas – ouça lá! E essa novidade na verdade é tão velha como o mundo: o local pouco importa; o que conta são as pessoas. Em todos os meus lugares havia gente de minha estima. O lugar de minha vida é ao lado daqueles de quem eu gosto.
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