O debate em torno do Fundeb, independentemente do resultado final, tem sido positivo para o país. Devagar vamos derrubando alguns mitos que por muito tempo pautaram nossa visão sobre a gestão pública.
Um deles é a velha ideia de que um serviço só é público se for estatal. Só pensa assim quem confunde Estado com máquina pública e é exatamente essa confusão que estamos aprendendo a desfazer. Esse debate já avançou em muitas áreas. Ninguém entra, por exemplo, no Hospital do Subúrbio, em Salvador, gerenciado via PPP, ou no Hospital Regional de Jundiaí, gerido pelo Instituto Sírio Libanês, uma organização social, e diz: “Que absurdo, estes hospitais estão tirando recursos da saúde pública”. O mesmo acontece com orquestras, como a Osesp; com parques, como o Ibirapuera; com unidades básicas de saúde e creches conveniadas, em todo o país. Em todas essas áreas, o recurso público não é percebido como do “sistema”, seja ou não estatal. O recurso existe para atender da melhor maneira possível aos cidadãos.
Pode ser temerário desconsiderar que existem alternativas e estabelecer em lei o monopólio de um ou outro sistema
Isso nada tem a ver com esquerda x direita ou sobre a discussão em abstrato sobre o tamanho do Estado. A pergunta é bem mais simples: como tornar efetivos os direitos que enunciamos na Constituição? Esse debate agora ganhou espaço na educação básica. Todos sabemos que nossos resultados não são bons nessa área e que é perfeitamente plausível introduzir inovações. Uma dessas inovações, e nem de longe a única, é representada pelos contratos de gestão com instituições filantrópicas.
Um estudo recente, conduzido por M. Danish Shakeel e Paul E. Peterson, de Harvard, mostrou que os alunos de escolas charter, nos Estados Unidos, tiveram um ganho médio duas vezes superior ao dos alunos de escolas tradicionais, ao longo de 12 anos (2005-2017). E que “o ganho em Matemática foi de quatro vezes mais para os alunos afroamericanos da 8.ª série”. Os ganhos são pouco expressivos para alunos de classe média e no curto prazo, mas surgem com força em um prazo maior, com alunos em desvantagem. É apenas um indício, há muitos outros critérios a observar.
A simples adoção de um modelo não resolve o problema. Mas nos sugere que pode ser temerário desconsiderar que existem alternativas e estabelecer em lei o monopólio de um ou outro sistema.
O argumento que mais me toca é a possibilidade da quebra do apartheid educacional. Isso ninguém me contou. Eu vi, foi aqui no Brasil, fruto de um programa criado pelo Estado brasileiro, sobre o qual me permito um breve relato pessoal.
Durante alguns anos dirigi uma instituição universitária de excelência, ótimo Enade, mensalidade alta, alunos de famílias de maior renda. Em um certo momento chegaram os alunos do ProUni. Eram cerca de 300 estudantes, que passei a acompanhar no dia a dia.
É evidente que eles tinham dificuldades. Não tinham curso de inglês nem feito high school nos Estados Unidos. Vinham de longe, não usavam as melhores mochilas e havia, sim, muito preconceito. Preconceito que vinha muito mais das famílias que dos estudantes, que rapidamente aprendiam o sentido da diversidade.
O recurso público existe para atender da melhor maneira possível aos cidadãos
Lembro das conquistas, da ida dos alunos ao exterior e também das frustrações. No fundo, aquele microcosmo produzia o encontro dos Brasis que sempre teimamos em manter apartados. Confesso que vibrei, sozinho na minha sala, quando me chegou o dado de que os alunos bolsistas haviam conquistado uma nota média melhor que a dos não bolsistas. Até hoje, escrevendo essas linhas, alguma coisa mexe aqui dentro.
Alguns vão dizer que tudo isso é impossível, que é apenas um exemplo, que não tem jeito, que no ensino básico tem de separar, que há um mundo exclusivo para o andar de cima e que o resto deve ficar onde está e onde sempre esteve. Mas não concordo. Cada um pode ter a visão que quiser do Brasil. Meus respeitos, mas acho que podemos fazer bem melhor do que andamos fazendo nesses anos todos.
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