Na segunda coluna do ano, damos sequência ao habitual levantamento das principais eleições que nos esperam em 2022. No primeiro texto vimos cinco pleitos europeus previstos para o ano, como na França e na Hungria. Nesta coluna veremos outras cinco eleições divididas por três continentes, na África, na Ásia e na Oceania, iniciando pelo Mali, em ordem cronológica.
Mali
Em teoria os malineses vão às urnas no dia 27 de fevereiro. O ceticismo sobre o pleito tem a mesma origem que a importância dele. Supostamente será o retorno à normalidade democrática no país, depois do golpe militar de agosto de 2020, que depôs o presidente civil Ibrahim Boubacar Keita. Em maio de 2021 o país passou por um “golpe dentro do golpe” e o coronel Assimi Goita assumiu o poder de vez.
As eleições para presidente e para a Assembleia Nacional do Mali foram anunciadas como parte das negociações para reverter a suspensão do país das organizações regionais, como a União Africana. A França também, brevemente, suspendeu sua cooperação militar com o país. Faltando pouco mais de um mês para a eleição, entretanto, nada está claro sobre sua realização.
Políticos depostos vão poder concorrer? A União Africana, ou alguma outra organização, poderá enviar observadores? Integrantes da Junta Militar golpista serão candidatos? Essas são apenas algumas das perguntas pendentes, tudo isso em meio ao conflito interno ao país, e parte do mais amplo conflito do Sahel. Infelizmente, hoje, o pessimismo ainda é justificado, após apenas dez anos de continuidade democrática no Mali.
Coreia do Sul
No dia nove de março os sul-coreanos vão às urnas escolher o presidente que sucederá Moon Jae-in. Eleito em 2017, o presidente do Partido Democrático, de centro-esquerda, não pode concorrer à reeleição, já que a constituição do país impõe o limite de um mandato presidencial. O candidato governista será Lee Jae-myung, ex-governador da mais populosa província do país, Gyeonggi.
O atual presidente e seu candidato partilham um histórico profissional semelhante, ambos foram advogados ativistas de Direitos Humanos. As semelhanças acabam por aí. Economicamente, Lee é muito mais um desenvolvimentista e, por isso, já fez comentários amistosos sobre a ditadura militar que governou a Coreia do Sul durante a Guerra Fria. Também, talvez, seja o candidato com visão mais favorável em relação à China.
Historicamente, mesmo presidentes da centro-esquerda, como Moon, valorizam a aliança e as relações com os EUA. Lee já criticou a presença de armamentos estratégicos dos EUA em solo sul-coreano e também defende mais laços econômicos com a China. Caso eleito, Lee também deve colocar alguns freios na aproximação com a Coreia do Norte, talvez a principal bandeira do governo Moon, filho de refugiados nortistas.
As relações inter-coreanas são uma das principais bandeiras políticas no país e uma marca da clivagem entre esquerda e direita. O maior partido conservador do país, o Partido do Poder Popular, defende uma política mais dura em relação ao norte. Oficialmente fundado apenas em 2020, ele é herdeiro dos movimentos conservadores que governaram o país em diversas ocasiões, e a refundação foi por motivos jurídicos.
O candidato conservador será Yoon Seok-youl, ex-procurador de carreira e ex-Procurador Geral da república. Fazendo uma analogia, com todos os problemas das analogias, ele é uma espécie de “Sérgio Moro” sul-coreano. Um funcionário público que ganhou destaque por casos envolvendo corrupção e cuja imagem é dividida entre admiradores de seu desempenho nesses casos e críticos do que seria uma politização do judiciário.
Curiosamente, sua campanha eleitoral busca ampliar sua base e, para isso, ele faz acenos aos movimentos mais tradicionais da direita política sul-coreana. Inclusive já declarou que vai perdoar o ex-presidente Lee Myung-bak, condenado a 17 anos de prisão. Por corrupção. Também já afirmou que vai solicitar a expansão da presença militar dos EUA no país, o que gerou críticas da China.
As pesquisas hoje apontam um virtual empate técnico entre as duas candidaturas, sendo muito difícil prever algum resultado. O pleito sul-coreano certamente retornará em nosso espaço. Principalmente, o eleitorado jovem do país está num processo de guinada e está “em aberto” na disputa, podendo turbinar qualquer uma das duas candidaturas. Serão dois meses interessantes na península.
Filipinas
No dia nove de maio é a vez da república das Filipinas realizar suas eleições. Além do presidente e do vice-presidente, que são eleitos em separado, os 316 assentos da Câmara dos Deputados e metade dos 24 assentos do Senado estarão em jogo. Já falamos um pouco aqui sobre como funcionam as eleições nas Filipinas, incluindo os problemas no seu formato eleitoral.
O atual presidente Rodrigo Duterte não pode concorrer à reeleição, limitado pela constituição. Além disso, não há segundo turno no país. Considerando que as pesquisas dão larga margem para o candidato Ferdinand Marcos Jr., é muito provável que ele será o presidente filipino. Não há chance de, por exemplo, uma frente ampla no segundo turno ser formada contra ele.
Conhecido como Bongbong Marcos, seu nome não deixa dúvida: ele é o único filho do ex-ditador Ferdinand Marcos Sr. e sua esposa Imelda Marcos. Dominando o país por 20 anos, o casal Marcos foi, talvez, um dos mais corruptos do século XX, com uma fortuna que chegou na casa de uma dezena de bilhões de dólares na época, mais de US$ 20 bilhões em valores atuais, em uma vida de luxo e ostentação.
Seu partido, o Partido Federal ng Pilipinas, defende uma maior descentralização de poder no país. Algo que pode parecer interessante e legítimo, mas, no fundo, é por se tratar de um partido de elites locais, todas interessadas em terem cada uma a chave do seu cofre regional. Mais próximo das oligarquias da chamada República Velha brasileira do que de um debate federalista.
Bongbong iniciou sua carreira política cedo, “eleito” governador aos 23 anos de idade. Claro, durante a ditadura de “papai”. Em diversos momentos, ele publicamente defendeu os atos de violência da ditadura de seu pai e que a imensa fortuna da família foi obtida “legalmente”. Mesmo com o judiciário filipino repetidamente afirmando o contrário e ordenando a devolução de cerca de 80% do patrimônio familiar.
Hoje, Bongbong tem cerca de 50% das intenções de votos nas pesquisas e, novamente, salvo uma frente ampla articulada antes do pleito, ou algum fato novo que afete diretamente seu desempenho nas pesquisas, ele será eleito presidente. O filho da raposa, que defende os atos da raposa, é o favorito para ser eleito porteiro do galinheiro. E a provável vice? Sara Duterte, filha do atual presidente.
Quênia
No dia nove de agosto serão realizadas eleições no Quênia e, infelizmente, muito provavelmente uma crise política vai eclodir no país. Isso se deve por dois motivos. Primeiro, um referendo sobre uma série de emendas constitucionais deveria ter sido realizado no último mês de junho. Ele foi suspenso após um pedido feito na Suprema Corte, que está avaliando se as emendas propostas são legais em primeiro lugar.
A suspensão do referendo e os possíveis resultados da discussão na Suprema Corte fazem com que as regras eleitorais do pleito passem por um momento de incerteza. O segundo motivo é que o atual presidente Uhuru Kenyatta não pode disputar um terceiro mandato, o que não é aceito por vários de seus apoiadores e de seu partido. As eleições quenianas de 2017 já foram marcadas por diversos episódios de violência.
Após um governo marcado por casos de corrupção e do uso da máquina pública para finalidades partidárias, nada indica que o atual governante ou seus apoiadores vão aceitar de bom grado uma eleição livre, muito menos uma eventual derrota. Soma-se às incertezas das regras eleitorais e aos problemas nas fronteiras quenianas, como a violência na Somália, e temos a receita de uma crise.
Austrália
Em algum sábado de maio a Austrália vai realizar suas eleições federais, para eleger 40 dos 76 senadores e os 151 deputados do parlamento. A política australiana, em diversos aspectos, emula o sistema britânico, incluindo o fato de que o parlamento é dividido em dois polos, um conservador, a coalizão Liberal-Nacional, e outro trabalhista. Também existem partidos menores e candidatos independentes.
O atual premiê, o conservador Scott Morrison, disputará a eleição. Sua coalizão possui o mínimo necessário para uma maioria, 76 assentos. O partido trabalhista atualmente conta com 68 assentos. Apenas as cadeiras da câmara baixa são necessárias para a formação de um governo, dispensando a necessidade de maioria também no Senado, embora a câmara alta australiana tenha muito mais poderes do que a Câmara dos Lordes britânica.
Pelas pesquisas, hoje, os trabalhistas seriam vencedores. Algo que possivelmente impactou a imagem do governo conservador foram as denúncias de assédio sexual envolvendo políticos do gabinete de governo. A política rígida perante a pandemia provavelmente não influencia na opinião da maior parte do eleitorado, já que a oposição trabalhista, liderada por Anthony Albanese, publicou um plano ainda mais rígido.
Ao contrário de outros líderes de esquerda pelo mundo, como o citado sul-coreano Lee, Albanese não poupa críticas ao governo chinês, especialmente a Xi Jinping. Ele também defendeu o acordo para que a Austrália adquira submarinos nucleares. Isso acabou enfraquecendo a retórica de Morrison, que afirma que os trabalhistas seriam “fracos” em temas como segurança e influência chinesa.
Ainda assim, esses são trunfos de Morrison. Caso ele consiga descolar sua imagem dos episódios de assédio sexual recentes, ele tem chance. Curioso notar também que Albanese é um dos mais vocais republicanos da política australiana, defendendo a proclamação de uma república parlamentarista, tal qual Barbados fez recentemente. Claro que esse não será um processo rápido.
Na próxima coluna vamos ver os pleitos de destaque para 2022 no continente americano.
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