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Filipe Figueiredo

Filipe Figueiredo

Explicações para os principais acontecimentos da política internacional

A aliança entre Rússia e China não é óbvia como alguns creem

(Foto: EFE/EPA/SERGEY GUNEEV /SPUTNIK)

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Vladimir Putin e Xi Jinping possivelmente são os líderes mundiais que mais vezes se encontraram na História contemporânea. Já passam de sessenta encontros entre os dois desde 2013, quando Xi tornou-se presidente chinês. É possível que alguns leitores não tenham encontrado familiares próximos tantas vezes nesse mesmo período. Nessa semana, Putin foi à China, sua primeira viagem ao exterior no novo mandato. 

É o quarto encontro entre os dois desde a invasão russa da Ucrânia. A viagem também marca os setenta e cinco anos das relações com a República Popular da China, iniciadas pela União Soviética, que tem a Rússia como Estado sucessor. Ao contrário da pompa e do discurso, entretanto, essa relação nem sempre foi amistosa. Na verdade, de meados da década de 1960 até 1991, foi de profunda desconfiança. 

Soviéticos e chineses travaram um breve conflito fronteiriço em 1969 e disputaram influência em outros países socialistas durante a Guerra Fria. Talvez o principal episódio desse conflito tenha sido quando o Vietnã, apoiado pelos soviéticos, invadiu o Camboja e depôs o Khmer Vermelho, apoiado pela China, e depois derrotou os próprios chineses em um breve conflito em 1979. 

Apenas em 1991 que a fronteira entre os dois países foi demarcada e, mesmo hoje, existem muitos possíveis pontos de tensão entre as duas potências que estão dormentes: a disputa por influência na Mongólia, o vazio demográfico da Sibéria russa, a crescente presença chinesa em países ex-soviéticos e o fato da China rejeitar as perdas territórios do império Qing, como a chamada Manchúria Exterior, hoje parte da Rússia. 

Ao contrário da pompa e do discurso, entretanto, essa relação nem sempre foi amistosa

A viagem de Putin teve um componente interessante nesse aspecto de apropriação da História. Putin visitou Harbin no segundo dia de sua visita, capital da província de Heilongjiang, no nordeste da China, onde os dois países fazem fronteira. No século XIX e início do século XX, a cidade era conhecida como “Pequena Moscou”, já que a igreja ortodoxa baseada ali servia de embaixada extra-oficial entre a Europa e os Qing. 

Ou seja, embora o discurso seja a de construção de uma aliança inabalável e “natural” entre China e Rússia, se trata apenas de discurso. Trata-se de um fenômeno muito mais recente e ligado de forma umbilical à Xi e Putin, que aprofundaram a parceria que era construída de forma tímida e paulatina na década de 1990. E essa parceria pode, um dia, sofrer contradições e rachaduras.  

Hoje, as relações entre os dois países atingem todos os tipos de cooperação. Comercialmente, a Rússia tem na China seu principal parceiro, incluindo o fornecimento de muitos bens de consumo depois da invasão da Ucrânia e a suspensão de operações de algumas empresas europeias. A invasão da Ucrânia, inclusive, é essencial para compreendermos essas relações atuais. 

A China tornou-se o principal fornecedor de itens de finalidade múltipla para a economia russa, ou seja, itens que podem tanto ter finalidade pacífica e de consumo quanto alimentar a indústria militar russa. Um mesmo chip pode servir em um brinquedo ou em um armamento. A China também é um entreposto para itens vindos dos EUA, via México, de lá repassados para a economia russa. 

Sem o apoio econômico chinês, a máquina de guerra russa estaria em situação bem mais complicada. Do outro lado, os chineses intensificaram suas importações energéticas russas, como gás e petróleo, pagando mais barato do que o preço internacional. Isso se deve pela infraestrutura fronteiriça e pelo fato de que a Rússia, sob sanções do chamado Ocidente, está limitada em suas opções de exportação. 

A visita de Putin inclui a negociação de um novo gasoduto, ligando a Sibéria à China, mas as conversas estão paralisadas. O que foi anunciado foi um novo exercício militar conjunto. No plano estratégico, a China não possui um guarda-chuva nuclear da magnitude do poderio russo, tornando essa relação interessante aos chineses. Ao mesmo tempo, no plano de armamentos convencionais, a China ultrapassou a Rússia. 

E, claro, tratam-se de duas potências nucleares com assentos permanentes no Conselho de Segurança da ONU. O aprofundamento da relação entre os dois é o maior desafio à ordem internacional centrada nos EUA que foi, e é, advogada por muitos no mundo pós-Guerra Fria. No pensamento geopolítico clássico, entretanto, uma potência eurasiana, como era a Rússia e hoje é a China, sempre será parte dos pólos internacionais.   

Ainda assim, é essencial notar que a aproximação entre Rússia e China é parcialmente motivada pelo antagonismo de ambos com os EUA. No caso da Rússia, um antagonismo histórico, enquanto no caso chinês, um fenômeno recente. Mesmo com toda a aproximação explicada brevemente aqui, um governo astuto em Washington poderia trabalhar para criar uma cisão nesses aliados, e não jogar um nos braços do outro, como Biden faz. 

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Caros leitores, depois de seis anos de parceria, me despeço de vocês aqui no nosso espaço de política internacional. Infelizmente, o tempo é implacável e não me permite assumir todos os projetos que eu gostaria. Foram 563 colunas, mais alguns textos especiais. Agradeço à Gazeta e a todos os profissionais que me ensinaram e apoiaram nesse trajeto, como Isabella Mayer de Moura, Helen Mendes, Jones Rossi e Jônatas Dias Lima. Sempre tive total liberdade em meus textos, tanto para definir os temas das colunas quanto o seu teor. Foi um prazer abordar temas diferentes do habitual, como a disputa por influência na Oceania, e pude fornecer perspectivas um pouco diferentes da linha editorial em alguns temas espinhosos. Deixo nosso espaço com a expectativa de ter feito um bom trabalho e não dou um adeus, mas, quem sabe, um até logo. Um abraço para todos vocês!

Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima

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