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Filipe Figueiredo

Filipe Figueiredo

Explicações para os principais acontecimentos da política internacional

Eleições presidenciais

A derrota do “Bolsonaro” de Portugal

Candidato de direita e líder do partido Chega, André Ventura discursa em Hotel em Lisboa em 24 de janeiro de 2021, após o resultado da eleição presidencial de Portugal. (Foto: PEDRO ROCHA / AFP)

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No último domingo ocorreram as eleições presidenciais em Portugal e Marcelo Rebelo de Sousa, de centro-direita, venceu tranquilamente. Habitualmente isso seria uma notícia prosaica, já que todas as pesquisas apontavam essa vitória de lavada, e a imagem popular do atual presidente está em alta, visto como carismático e conciliador. Duas características desejáveis em qualquer estadista, ainda mais em um chefe de Estado de um regime parlamentarista.

A disputa mesmo era pelo segundo lugar, entre Ana Gomes, do Partido Socialista, de esquerda, e André Ventura, fundador e líder do Chega, de direita, muitas vezes chamado de “Bolsonaro português”.

Portugal, embora parlamentarista, conta com uma presidência mais forte do que a maioria dos países desse sistema de governo. Oficialmente, por sua constituição, a República Portuguesa é semipresidencialista. O que tornaria a eleição “prosaica”, portanto, era seu prognóstico de disputa tranquila, não a pouca importância do cargo ou algo do tipo.

É interessante ter em mente que Ventura não tinha sonhos ou pretensões de vencer a eleição, isso seria virtualmente impossível. Seu plano era ganhar evidência para si e para seu partido, fundado recentemente, e ficar em segundo lugar, consolidando um eventual posto de novo rosto da política lusa, galvanizando eleitores que se consideram excluídos dos dois maiores partidos portugueses.

Essa postura de se projetar como alguém de fora do sistema partidário tradicional é uma das coisas que aproxima o discurso de Ventura ao discurso bolsonarista. Assim como Bolsonaro, o português teve uma carreira política em um partido tradicional, o Partido Social-Democrata (PSD), o do presidente Marcelo Rebelo de Sousa.

O nome pode enganar, já que se trata do principal partido de centro-direita português. Os aliados europeus do PSD, por exemplo, são o Partido Popular espanhol, o Forza Italia e o Partido Popular Austríaco, que governa o país alpino. Comentários radicais de Ventura sobre muçulmanos e sobre povos roma, chamados comumente de ciganos, azedaram as suas relações dentro do partido. Ele saiu e formou o Chega, cuja marca é grafada em maiúsculas e com exclamação.

Em 2019, Ventura, cujo domicílio eleitoral é Lisboa, foi eleito para a Assembleia da República, o único parlamentar de seu partido, que hoje conta com cerca de quinze mil integrantes. O discurso nacionalista é uma das principais características do partido no cenário político lusitano, em tom e escala que não era visto desde a ditadura Salazarista. O discurso nacionalista é, frequentemente e infelizmente, acompanhado de xenofobia, preconceito e racismo. Alguns episódios do tipo foram contra parlamentares portuguesas negras, de origem africana, e contra os já citados roma. O próprio Ventura, em janeiro de 2020, propôs que a deputada Joacine Katar Moreira fosse “devolvida ao país de origem”. Nascida na Guiné-Bissau, antiga posse colonial portuguesa, ela possui nacionalidade portuguesa, onde reside desde os oito anos de idade.

Outro elemento desse discurso é o fato de que diversos dos principais integrantes do partido, como Tiago Monteiro e Luís Filipe Graça, eram parte da Nova Ordem Social, principal movimento neonazista português. Tais afirmações são apuradas pelos meios de comunicação portugueses. As polêmicas do partido, entretanto, contribuíram para seu crescimento, e Ventura lançou sua candidatura presidencial.

Em outubro passado, o partido conseguiu duas cadeiras nas eleições regionais dos Açores, com 5% do eleitorado, inaugurando a sua presença nos governos locais. O slogan da campanha presidencial era “Por Portugal, Pelos Portugueses!” e Ventura marcou presença nos principais debates televisivos, conseguindo exposição e voltando-se para digladiar especialmente com o atual presidente, buscando uma fatia de seus eleitores. O otimismo de Ventura era tal que prometeu renunciar ao cargo de presidente do partido caso não ficasse em segundo lugar nas eleições. Seu projeto, entretanto, naufragou.

O resultado da eleição 

Ana Gomes teve 13% dos votos, enquanto André Ventura ficou com 11,9%, uma diferença de cerca de cinquenta mil votos. Com 60% dos votos, o atual presidente foi o mais votado em todos os municípios portugueses. No nível distrital, o equivalente luso aos estados brasileiros, também, obviamente. O segundo lugar teve uma clara clivagem geográfica. Regiões metropolitanas, como Lisboa, Porto e Coimbra, votaram em Ana Gomes. O interior optou por Ventura. No total, foram quase meio milhão de votos para o Chega, um número considerável e muito maior do que os 67 mil votos obtidos nas eleições legislativas de outubro de 2019. Restam algumas interpretações desse resultado.

Para eventual consolo de Ventura, a participação eleitoral ficou em 39,5%. Isso significa que cinco milhões de eleitores portugueses se abstiveram e podem ser seduzidos por seu discurso nacionalista. Ao cumprir sua promessa de renunciar da chefia do partido, Ventura também pode buscar capitalizar o evento com a imagem de ser um “homem de palavra”. Pensando que a próxima eleição portuguesa, salvo dissolução do parlamento, será apenas em 2023, Ventura terá mais de dois anos para trabalhar sua imagem e seu discurso perante esse eleitorado, além de fortalecer sua imagem internacional de líder da direita portuguesa. Nesse sentido, se encontrou com o presidente brasileiro e com Matteo Salvini, líder da Lega Nord italiana.

Por outro lado, o eleitorado português também emitiu sinais de fôlego e de que o crescimento de Ventura e do Chega não serão fáceis. A diplomata Ana Gomes disputou a eleição contrariando parte de seu partido, que oficialmente apoiava a reeleição de Marcelo Rebelo de Sousa. Em outras palavras, apenas uma ala, a mais de esquerda, do próprio partido apoiou uma candidatura que teve mais votos do que o Chega.

No dia da eleição, o Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica Portuguesa realizou uma pesquisa com mais de quatro mil pessoas, pensando em uma hipotética eleição legislativa. O Partido Socialista seria o vencedor, assim como foi em 2019. Outro fator de preocupação para Ventura é que ele foi derrotado em sua própria cidade, além dos principais centros populacionais. Os distritos de Lisboa e do Porto, somados, possuem quase metade da população portuguesa.

Principalmente, Ventura enfrenta na sociedade portuguesa um cenário muito diferente da Itália de Salvini, por exemplo, além dele mesmo ser uma figura contraditória. Enquanto Mussolini é uma lembrança distante, morto mais de setenta anos atrás, muitas figuras da atual política portuguesa viveram o Salazarismo, a censura e os traumas das fúteis guerras coloniais. Uma figura nacionalista, consequentemente, enfrentará uma resistência muito mais vívida e altiva em Portugal. Além disso, ao contrário da França, onde Le Pen explora os custos da União Europeia, ou da Hungria, onde o governo abusa da retórica sobre valores liberais europeus, em Portugal a União Europeia é bem vista pela população.

Segundo pesquisa de dezembro de 2018 feita pela Agência para o Desenvolvimento e Coesão portuguesa, 70% dos lusitanos sentem que pertencer à UE é mais vantajoso e 85% consideram que os fundos da UE têm contribuído para o desenvolvimento do país. Um discurso nacionalista e eurocético, como o de Ventura, esbarra nesses números, que também são comprováveis em todos os índices socioeconômicos portugueses.

O fascismo clerical de Salazar legou um país rural, com baixos índices de educação e uma lista de intelectuais perseguidos, como o matemático Bento de Jesus Caraça. Hoje, o desempenho escolar português está acima da média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, um crescimento constante nas últimas quatro décadas. Portugal entrou para a União Europeia em 1986, e a relação não se trata de coincidência.

Finalmente, as próprias contradições de Ventura. Muito católico (como também Marcelo Rebelo de Sousa), ele foi seminarista, o que é explorado por seus adversários, quando apontam eventuais contradições entre as falas de Ventura e a teologia cristã. Sua tese de Direito, de 2013, criticava os abusos policiais e a estereotipação de minorias, defendendo o valor do multiculturalismo, um discurso muito distante do político que discursa longamente sobre a criminalidade e pede que uma deputada “volte para sua terra”.

E não se trata de “doutrinação universitária”, trata-se de uma tese de doutorado, de uma pessoa já formada. Isso é explorado por adversários de todos os espectros políticos, que o acusam de ser um oportunista em seu discurso. São pontos que se mostraram fraquezas reais, vide o resultado da eleição. No mínimo, o “Bolsonaro português” vai ter que remar muito ainda.

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