Nessa última semana foi concluída a farsa eleitoral do Paquistão. No último dia quatro de março, Shehbaz Sharif foi escolhido pelo parlamento paquistanês para ser novamente primeiro-ministro do país, cargo que ocupou entre abril de 2022 e agosto de 2023. Apesar de o governo paquistanês manter a ideia de que foi uma eleição limpa e justa, a realidade está bem distante disso.
O pleito realizado no último dia 8 de fevereiro não contou com seu principal candidato, o ex-premiê Imran Khan, que está preso e proibido de ser candidato. Ele foi condenado por corrupção, por “revelar segredos de Estado”, quando exibiu um telegrama da embaixada dos EUA, e até por “casamento ilegal”, quando caçaram alguma minúcia burocrática em seu matrimônio com a popular Bushra Bibi.
Não apenas o popular ex-premiê não pôde ser candidato, como seu partido nem sequer pôde disputar as eleições como uma legenda constituída. O Tehreek-e-Insaf, “Movimento por Justiça”, foi suspenso, e os candidatos do partido tiveram que buscar um assento no parlamento como independentes. Não puderam nem mesmo usar o símbolo do bastão de críquete do partido, já que Khan foi um craque do esporte mais popular do país.
Em uma analogia simples, é como se Ronaldo Fenômeno ou Romário tivessem sido presidentes do Brasil. Qual foi a consequência da proibição do partido? Foram eleitos 93 parlamentares “independentes”, a segunda maior bancada. Em primeiro lugar no pleito ficou a Liga Muçulmana, partido conservador histórico do país e protagonista do processo de independência em relação ao Raj britânico.
Principais forças
Liderada por Nawaz Sharif, premiê entre 2013 e 2017 e irmão do premiê recém-empossado, a Liga Muçulmana conquistou 123 assentos, quarenta e um a mais do que no último pleito. Curiosamente, o partido cresceu bastante mesmo com as inúmeras denúncias de corrupção contra suas fileiras. Em terceiro lugar ficou o Partido Popular, de centro-esquerda, liderado por Bilawal Bhutto Zardari, com 73 assentos.
Bilawal é filho de Benazir Bhutto, a primeira mulher eleita premiê do Paquistão, por dois mandatos. O primeiro entre 1988 e 1990, e o segundo entre 1993 e 1996. Ela foi assassinada em 2007, em um atentado reinvindicado pelo grupo jihadista al-Qaeda, embora exista a desconfiança do envolvimento de agentes de inteligência paquistaneses no assassinato, já que ela era uma figura controversa.
Oficialmente, o pleito teve o comparecimento eleitoral de 47,8% do eleitorado, um número já baixo, embora seja suspeito. Pouquíssimos observadores internacionais atestam pela lisura do processo e funcionários eleitorais vieram a público denunciar fraudes em suas sessões. E não foram denúncias de “corrente de aplicativo de mensagens”, mas denúncias substanciais, com evidências.
Reino Unido, Austrália, EUA e União Europeia condenaram o processo eleitoral e pediram por investigações “críveis” em relação às denúncias de fraude. Obviamente isso não acontecerá, pois quem fraudou a eleição paquistanesa muito provavelmente foi um dos atores que poderia zelar pela democracia do país. No caso, o exército, a mais poderosa instituição do Paquistão.
Grande acordo e pacificação
Desde sua independência, mas principalmente desde a derrota para a Índia em 1971, o Paquistão é uma república tutelada. O verdadeiro poder está nas mãos dos militares. Eles deram o sinal verde para a deposição de Iran Khan, eles determinaram que o ex-premiê não volta e eles articularam um, com o perdão da referência, “grande acordo nacional” para a suposta “pacificação” do país.
O resultado é que o governo foi empossado com um acordo entre a Liga Muçulmana e o Partido Popular, dois pólos opostos. A cereja no bolo do “grande acordo nacional” foi a decisão da Suprema Corte de tirar da gaveta um processo que estava lá desde 2011 e decidir pela reabilitação simbólica de Zufikar Ali Bhutto, premiê entre 1973 e 1977, em um dos períodos mais turbulentos da História paquistanesa.
Zufikar era pai de Benazir e avô do atual líder do partido, Bilawal. Ele foi deposto em um golpe militar em 1977, julgado sumariamente e enforcado. Talvez seja um prêmio de consolação a Bilawal. Em troca de um acordo com os herdeiros políticos dos executores de seu avô, ele conseguiu a reabilitação simbólica do patriarca da família, com a Suprema Corte reconhecendo a ilegalidade do julgamento da década de 1970.
Não se trata de avaliar se Imran Khan é inocente ou não, mas de constatar que houve uma perseguição generalizada aos seus apoiadores e seu partido. Também é facilmente constatado que o pleito foi fraudulento, em nome de uma suposta ideia de “pacificação” nacional. E a História também permite constatar que esses episódios nunca terminam bem e voltam para assombrar aquela nação.
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