O dia 27 de agosto de 2021 marca um aniversário recordista. No caso, os 125 anos da guerra mais curta da História, a Guerra Anglo–Zanzibari. O conflito encerrou o pouco que restava da autonomia do Sultanato de Zanzibar, transformado num protetorado britânico. Naquele momento, em 1896, o mundo vivia o auge do imperialismo da Segunda Revolução Industrial, com as potências europeias buscando expandir suas esferas de influência, especialmente na África e na Ásia.
No dia 25 de agosto de 1896, morreu o então sultão de Zanzibar, Hamad bin Thuwaini. Como muitos monarcas de reinos da costa oriental africana, ele era de origem omani, nascido em Mascate. Zanzibar é um pequeno arquipélago na costa da atual Tanzânia, com um importante porto de águas profundas, produção de especiarias e, até o final do século XIX, foco de comércio de pessoas escravizadas.
A exportação de cravinho, canela e pimenta fez as ilhas serem chamadas de Ilhas dos Temperos no século XVII. Esse comércio era controlado por mercadores árabes, muitos deles também de origem omani. Com o domínio português na região, a origem omani tornou-se sinônimo de mercador, daí o termo mascate, o nome aportuguesado da capital de Omã e que também batiza um conflito em Pernambuco colonial.
O controle de Zanzibar era, então, interessante para o comércio marítimo e também para a obtenção de especiarias. No contexto do final do século XIX, essa presença europeia ganha mais importância e mais substância. O sultanato de Zanzibar, que antes controlava não apenas o arquipélago, mas também parte considerável da costa oriental da África, é obrigado a fazer concessões aos europeus.
Alemães e britânicos
A costa do atual Quênia foi cedida em 1885, à Companhia Imperial Britânica da África Oriental. No mesmo ano foi fundada a África Oriental Alemã, colônia que corresponde à atual Tanzânia e partes dos atuais Burundi, Quênia, Moçambique e Ruanda. Ao norte, o Quênia britânico. Ao sul, Moçambique português. Finalmente, em 1890 foi estabelecido o protetorado britânico sobre o arquipélago propriamente dito.
Ou seja, Zanzibar agora era um protetorado britânico de frente para uma faixa do continente dominada pelos alemães. Ainda são trinta anos antes da Grande Guerra, mas a rivalidade entre as potências crescia exponencialmente. Em 1888, com a ascensão do Kaiser Guilherme II, o Império Alemão inicia uma corrida armamentista naval para criar uma marinha digna de enfrentar a poderosa marinha real britânica em alto mar.
A rivalidade entre as potências europeias também esbarrava no combate ao comércio de pessoas escravizadas. Oficialmente, tanto britânicos quanto alemães reprimiam esse comércio, o que causava descontentamento entre as elites árabes, que dominavam a atividade lucrativa. Na prática, entretanto, alguma “vista grossa” ainda ocorria para a manutenção de aliados dentro dessa elite.
Como consequência, parte da elite árabe era amigável aos britânicos, outra parte era favorável aos alemães. Para equilibrar a situação e definir esferas de influências, foi assinado o Tratado de Heligolândia-Zanzibar, em 1890. O acordo deu à Alemanha o controle sobre uma faixa de terra na atual Namíbia, a ilha de Heligolândia, no Mar do Norte e de frente ao estratégico canal de Kiel, e também o interior da África Oriental Alemã.
Do lado britânico, os alemães reconheceram a autoridade de Londres no arquipélago de Zanzibar. Ou seja, agora os britânicos controlavam as principais rotas de navegação na África Oriental, um porto importante e, em caso de conflito, teriam como “cercar” a colônia alemã. Seis anos depois, entretanto, para a surpresa de muita gente, o sultão faleceu, com apenas quarenta anos de idade. A morte precoce do monarca pró-britânico obviamente levantou suspeitas, mas nada nunca foi provado.
Com a morte, dois candidatos à sucessão despontam. Um era Khalid bin Barghash, sobrinho do sultão morto e acusado de conspiração contra o tio. O outro era Hamud bin Muhammed. Khalid ocupou o palácio real, exigiu um juramento da guarda palaciana e içou seu estandarte pessoal. Os britânicos, liderados pelo cônsul Basil Cave, não gostaram do ato, já que Khalid era da facção germanófila da elite zanzibari.
A guerra mais curta da História
Pelo tratado que impôs o protetorado em 1890, o novo sultão precisava ser aprovado pelo governo britânico. Com isso, Cave enviou um ultimato para Khalid no dia 26 de agosto. Ou ele se retirava do palácio com sua guarda, ou os britânicos usariam a força. O sultão mobilizou alguns apoiadores e montou uma barricada no palácio, com cerca de duas mil pessoas e quatro peças de artilharia de origem alemã. O sultão buscou o reconhecimento de outras potências, sem sucesso.
Às nove horas e dois minutos da manhã do dia 27 de agosto, considerando que o sultão não aceitou o ultimato, as hostilidades começaram. Os britânicos, com três cruzadores leves, duas canhoneiras, 150 fuzileiros navais e 900 conscritos locais, começaram o bombardeio do palácio. O edifício, feito em parte de madeira, pegou fogo logo no início dos combates, e a artilharia do sultão foi inutilizada. O iate real e dois navios de apoio foram afundados rapidamente.
Às nove horas e quarenta minutos, a bandeira foi arriada do palácio. A guerra durou 38 minutos e deixou quinhentos mortos ou feridos nas forças do sultão. Um britânico saiu ferido. Khalid recebeu asilo no consulado alemão e, de lá, foi transportado para a Tanzânia, aproveitando a maré alta do dia seguinte, pisando do consulado para um bote. Hamud foi empossado sultão e Zanzibar perdeu o que ainda restava de sua autonomia. Um dos primeiros atos do novo sultão foi, sob instrução britânica, libertar todos os escravizados.
Os oficiais britânicos foram condecorados e avançaram em suas carreiras. Cerca de vinte indianos foram mortos pela multidão, em meio ao caos, enquanto o “bairro dos indianos” era saqueado. Zanzibar permaneceu como colônia britânica até 1964, quando o sultão foi derrubado e o arquipélago tornou-se uma região autônoma da Tanzânia. Famosamente, foi ali que nasceu o súdito britânico Farrokh Bulsara, em 1946, mais conhecido pelo seu nome artístico Freddie Mercury, uma das vozes mais marcantes do século XX.
Tudo isso parece apenas uma efeméride interessante, uma curiosidade para conversas com amigos, algo pouco sério. Claro, os fatos em si, descritos aqui, são apenas isso mesmo, ao menos para nós, brasileiros. Ainda assim, ilustra um processo que antecedeu a Grande Guerra e que acontece hoje com uma grande intensidade. A busca por esferas de influência pelas potências, como EUA e China, o abismo tecnológico e militar entre potências e periferia e o lembrete de que a força ainda é usada em um cenário como esse.
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