A Hungria passará por eleições gerais no ano que vem, e a oposição a Viktor Orbán entendeu a necessidade de uma frente ampla para ter chance de vitória. Tamanha a amplitude da aliança anti-governo que foram necessárias eleições primárias, em dois turnos, para decidir quem será o nome nas urnas em disputa contra o atual primeiro-ministro. E o escolhido segue uma estratégia bastante clara.
Viktor Orbán é o mandatário húngaro desde 2010, mais uma primeira passagem pelo poder entre 1998 e 2020, totalizando quinze anos na chefia do governo de seu país. Ele também é o líder de seu partido, o Fidesz, desde 1993 de forma quase ininterrupta, salvo um hiato entre 2000 e 2003, para um total de 25 anos como manda-chuva do partido que, sob Orbán, se deslocou no espectro político.
Trajetória
Inicialmente o Fidesz era um partido liberal de centro-direita. Contra a presença soviética no país, defendendo abertura política e reformas econômicas, para uma economia de mercado. No início da década de 1990, defendia abertamente a integração da Hungria à União Europeia e aos “valores ocidentais”. Hoje, o partido é conservador e nacionalista, com um discurso populista e Eurocético.
Esse deslocamento ideológico reflete o deslocamento do próprio Orbán. De líder estudantil idealista ele se tornou chefe de um governo personalista que usa a retórica fácil do “perigo oculto” para sustentar seu projeto político. E nada disso é má vontade do colunista, ao contrário, é expresso abertamente por Orbán e seu círculo mais próximo, na defesa do que ele chama de “democracia iliberal”.
Nos últimos anos, Orbán centralizou poder e verbas em si e em figuras próximas, incluindo familiares. Órgãos liberais ocidentais diminuíram a qualificação da Hungria em índices de liberdade de imprensa, de expressão e de transparência governamental. Hoje, praticamente toda a imprensa húngara está nas mãos de aliados de Orbán e recebe dinheiro governamental. Como enfrentar essa figura numa eleição?
Deixando de lado divergências internas, desde ideológicas até rancores pessoais. A Oposição Unida é formada por dez partidos com apenas duas bandeiras em comum: pró-União Europeia e fora Órban. Os três principais partidos são o social-democrata Partido Socialista Húngaro (MSZP), o conservador Jobbik e o social-liberal Coalizão Democrática. Somando, eles possuem 38 cadeiras no parlamento nacional.
O número é pequeno, pensando que o total é de 199 cadeiras e que o Fidesz, mais seu partido satélite, possui 133 cadeiras. Completam a oposição os dois partidos verdes húngaros; os conservadores Hungria para Todos e Partido Popular do Novo Mundo, fundado por József Pálinkás, ex-ministro da educação sob Orbán; e os centristas Momentum, Novo Começo e Liberais.
Oposição Unida
Juntos, hoje, eles possuem 52 cadeiras no parlamento, ainda longe das cem necessárias para uma maioria. No último pleito, entretanto, eles disputaram separados. Unidos, possivelmente, as regras eleitorais podem proporcionar uma maioria. Regras essas, diga-se, criadas por Orbán. Restava o desafio de, numa coalizão que une de conservadores a social-democratas, passando por verdes e por liberais, definir a candidatura.
O nome mais forte era o do verde Gergely Karácsony, prefeito de Budapeste eleito em 2019. Ele é parte de um fenômeno mais amplo. Em 1991 foi fundado o Grupo de Visegrado, que reúne Tchéquia, Eslováquia, Polônia e Hungria. Naquela ocasião, os quatro países se juntaram para negociar em bloco sua eventual entrada na União Europeia, pensando que isso lhes daria maior poder de barganha.
Trinta anos depois, o grupo tornou-se sinônimo do conservadorismo no seio da UE, já que, nos últimos anos, os quatro países tiveram governos conservadores. Atualmente, nos quatro países, o governo nacional é de direita mas o governo das quatro capitais é de esquerda, mostrando uma clivagem de identidade e de valores entre as populações dos maiores centros urbanos e das cidades menores do interior.
Claro que essa situação pode mudar, com as recentes eleições tchecas. Retornando à Hungria, Karácsony retirou sua pré-candidatura, afirmando que era mais sábio manter Budapeste na mão da oposição do que se arriscar em ser o candidato anti-Orbán. Claro que, como político, ele sabe que, se a oposição eventualmente fracassar em 2022, ele automaticamente se tornará o novo centro da convergência anti-Orbán.
No primeiro turno das primárias, a mais votada foi Klára Dobrev, vice-presidente do Parlamento Europeu, da Coalizão Democrática, de centro-esquerda. A retirada de Karácsony fez com que o segundo colocado das primárias tenha sido Péter Márki-Zay, prefeito de uma pequena cidade na fronteira com a Romênia. Independente, de um partido pequeno e um católico praticante de perfil conservador clássico.
Candidato conservador
A posição entre os dois se inverteu e, no segundo turno, ele levou 56,7% dos votos, contra 43,2% de Dobrev. Interessante que as primárias foram nacionais, movimentando debates televisivos, voto presencial e voto online. O resultado das primárias é interessante por dois motivos. Primeiro, ao ser realizada com vários meses de antecedência, a estrutura de quase todos os partidos húngaros estará disponível para um único candidato.
Principalmente, ao escolher um candidato também conservador contra Orbán, a coalizão evita algumas armadilhas óbvias. Márki-Zay também tem uma retórica “anti-sistema”, mas, ao contrário de Orbán, é pró-União Europeia, por exemplo. Um candidato mais à esquerda, entretanto, enfrentaria uma óbvia campanha de “perigo vermelho”, de ser um “cavalo de Tróia" de George Soros ou de quem mais for.
O intento da oposição unificada não é encontrar um paraíso na Terra ou solucionar todas suas divisões internas. Programas de governo ou alíquotas fiscais podem ser debatidas depois, na era pós-Orbán. É difícil imaginar até que um governo pós-Orbán vá durar muito, justamente por essa variedade interna. Para eles, não importa, existe um objetivo mais imediato, extremamente focado: tirar Orbán e reorganizar o país.
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