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Filipe Figueiredo

Filipe Figueiredo

Explicações para os principais acontecimentos da política internacional

Corredor Econômico Índia-Oriente Médio-Europa

A principal notícia do G20 passou quase despercebida

Líderes participam da abertura da Cúpula do G20 na Índia. (Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República)

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A mais recente cúpula do G20 foi realizada na Índia, no último final de semana, e produziu uma tímida declaração final. De mais valor e mais atenção foram algumas das reuniões bilaterais, para grandes ganhos indianos. Principalmente, o lançamento de um projeto de infraestrutura que promete fazer frente à chamada Nova Rota da Seda chinesa, agora com protagonismo da Índia.

A cúpula do G20 na Índia foi tema da mais recente coluna aqui em nosso espaço. Mais especificamente, da falsa polêmica sobre a “troca de nome” da Índia para Bharat. O país asiático foi o grande vencedor da cúpula. Claro que, como anfitrião, Modi “largava na frente”, tendo reuniões bilaterais com uma vasta gama de atores, mas a Índia manteve sua tradição de não-alinhamento e conseguiu ganhos em diversas frentes.

Quatro desses destaques merecem destaque, os multilaterais. Primeiro, a Índia conseguiu costurar uma declaração final unânime, mesmo que tímida. Havia o risco de não ser possível uma declaração final, ou uma apenas protocolar. A declaração destaca a necessidade do combate à pobreza e aos efeitos econômicos da pandemia e de implementar os  Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030.

Também abordou a necessidade de ampliar o acesso à infraestrutura digital. No que concerne à guerra na Ucrânia, tema do artigo sete da declaração, tivemos as observações de sempre: preocupação, necessidade de respeito à integridade territorial, pedidos por uma paz duradoura, mas não houve condenação firme da agressão russa. Isso gerou descontentamento da Ucrânia.

Tal teor era previsível, especialmente considerando a anfitriã. A Índia é importante parceira comercial da Rússia e esse papel cresceu após as sanções impostas por países ocidentais à Rússia. Hoje, a Índia é um dos maiores compradores de petróleo russo, por exemplo. De qualquer maneira, alguma declaração final é melhor do que nenhuma declaração, cenário possível devido aos crescentes desencontros entre integrantes do G20.

União Africana e países em desenvolvimento

Se para alguns a expansão do BRICS é a criação de um “anti G7”, é importante lembrar que o G20 reúne a maioria dos integrantes dos dois blocos, com interesses divergentes. Outro avanço indiano no âmbito do G20 foi que a proposta do país foi aceita e agora a União Africana é um membro permanente do G20. Já havia a tradição de convidar o bloco africano, mas, agora, não se tratará mais de convite.

Isso aumenta a representatividade global do G20 e amplia o leque de possibilidades de acordos e conversas. Até o momento, a única representação permanente africana no grupo era a da África do Sul. Também fornece uma vitória indiana perante os países em desenvolvimento, tema da terceira conquista indiana nessa cúpula, com a criação da Aliança Global de Biocombustíveis.

O lançamento da iniciativa contou com a participação dos três principais produtores de biocombustíveis do mundo, Brasil, EUA e Índia, outra dezena de países e diversas organizações internacionais. Muitos desses países são economias em desenvolvimento, como Bangladesh e as ilhas Maurício. O objetivo é fomentar a produção e o uso de biocombustíveis pelo mundo.

A Índia recentemente lançou um ambicioso programa nacional de biocombustíveis, que inclui algumas medidas familiares aos brasileiros, como a adição de etanol na gasolina e a fabricação de carros “flex”, incluindo em parceria com o Brasil. Finalmente, e principalmente, a principal notícia dessa cúpula do G20, o maior trunfo indiano, algo que passou quase despercebido no noticiário internacional brasileiro.

Corredor de infraestrutura

Foi anunciado o Corredor Econômico Índia-Oriente Médio-Europa, que vai conectar e integrar economias e infraestruturas entre o sul da Ásia, a península arábica, a Ásia ocidental e a Europa. O programa vai reunir Índia, EUA, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e a União Europeia, especialmente Alemanha, França, Itália e Grécia. Jordânia, Israel e Chipre também serão beneficiados pelo projeto.

Em suma, um terminal portuário na costa arábica no golfo Pérsico seria ligado, via ferrovia, a um terminal portuário na costa do Mediterrâneo, provavelmente em Israel. Uma carga saindo da Índia iria de navio até a península, seria embarcada em trens, transportada e embarcada em navios do outro lado. De lá, seguem para a Europa, com terminais portuários na Grécia e na Itália.

Isso contorna projetos ferroviários envolvendo o Irã e investimentos chineses. Também contornaria o canal de Suez. Segundo o governo indiano, o transporte seria mais rápido por esse corredor do que pela navegação via Suez como existe hoje. Também abre margem para investimentos dos EUA, participante da iniciativa como financiador e como rival estratégico atual da China.

Curiosamente, esse projeto é mais uma contradição interna ao projeto de expansão do BRICS. Pensando nos integrantes do grupo expandido, coloca Índia, EAU e sauditas de um lado, com China, Irã e Egito do outro. Lembrando que a expansão do BRICS não era de interesse indiano. Se foi um contragolpe planejado, não se sabe. O que podemos afirmar é que a Índia saiu-se muito bem em sua presidência do G20.

Conteúdo editado por: Bruna Frascolla Bloise

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